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A nova face de uma tradição perigosa

Como o aparecimento do cigarro eletrônico e a volta do cigarro tradicional causam problemas para a saúde da juventude do século XXI?


Por Isadora Pinheiro


Os cigarros eletrônicos, também chamados de pods ou vapes, surgiram inicialmente como uma alternativa ao fumo tradicional, mais amigáveis e tecnológicos do que o cigarro. Entretanto, têm-se observado um crescimento muito rápido na popularidade desses aparelhos, sendo usados inclusive por adolescentes e pessoas que nunca haviam fumado antes.


Apesar da proibição de venda e importação, o uso do dispositivo avança no país.

Segundo o Relatório Covitel em parceria com a Associação de Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), de abril de 2022, 1 a cada 5 brasileiros entre os 18 e 24 anos é usuário de cigarros eletrônicos. Esse fator deixou a comunidade científica em alerta, visto que os reais efeitos desses dispositivos ainda estão sendo estudados e se eles são, de fato, alternativas melhores.


Mesmo com a proibição de propaganda e distribuição, o dispositivo ainda assim está presente nos mais diversos ambientes. A ideia de que um aparelho portátil, recarregável e colorido poderia ajudar aqueles que se consideram dependentes do cigarro tradicional, por exemplo, é como um oásis para tais pessoas. Porém, os reais efeitos ainda estão sendo estudados e investigados.


Pensando nessa demanda contemporânea, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) entrou na linha de pesquisas dessa temática. Sendo responsável pelo Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) e pela articulação da rede de tratamento do tabagismo no SUS, o Instituto também vive um processo de atualização dos seus próprios conceitos e prioridades, onde novas formas de tabagismo - ou simulação dele, como é o caso do vape - estão surgindo.


Para comentar mais detalhes sobre a atuação do INCA e o cenário atual do tabagismo e do cigarro eletrônico, Andréa Reis Cardoso, pedagoga por formação e atualmente funcionária na Divisão de Controle do Tabaco no INCA, conversa com o jornal Senso (In)comum!



Entrevista


ISADORA: Como a Instituição que você trabalha, o INCA, atua no controle do tabagismo no Brasil?


ANDRÉA: Desde meados da década de 80 o INCA se preocupa com esse tema, porque afinal o tabaco é um dos principais causadores de câncer. Foram desenvolvidas várias ações abrangendo todos os fatores de risco de câncer, e o carro chefe sempre foi o tabagismo. Temos, desde 1989, estabelecido o Programa Nacional de Controle do Tabagismo, que é todo centralizado na lógica do SUS, há uma troca de informações entre os municípios, e assim articulamos nossas ações para que a população seja esclarecida dos malefícios do consumo e os benefícios de se parar de fumar.


ISADORA: Quanto aos cigarros eletrônicos, o INCA também atua nessa área? Se sim, como são as ações voltadas especificamente para ele?


ANDRÉA: Resumindo um pouco a história, a gente precisa entender que o cigarro eletrônico é um produto de tabaco. Como ele possui nicotina, além de todo um comportamento de volta do uso do cigarro, a comunidade científica o classifica como tal, a não ser alguns países, onde conseguiram passar essa regulamentação de outra forma.


Nós começamos a perceber que o mundo estava com essa expectativa pelo cigarro eletrônico. Com o fenômeno do Juul, uma das marcas mais populares recentemente, houve a explosão de consumo nos Estados Unidos, e depois começou a se espalhar por diferentes partes do mundo.


No Brasil, acredito que o início realmente foi a partir de 2009, quando houve essa primeira tentativa da indústria de entrar com o produto no mercado brasileiro. Mas, por conta das circunstâncias da proibição, não ouvimos falar muito do cigarro eletrônico desde aquela época. Cerca de cinco anos atrás esse movimento começa a vir mais forte. O INCA começou a criar campanhas e estudar o assunto a partir de meados de 2013, e desde então viemos mergulhando no tema. Aqui no país também temos a proibição de venda, importação e exportação, através da RDC nº46, e o INCA, sendo um órgão do Ministério da Saúde, tem esse entendimento de que o cigarro eletrônico é um novo produto de tabaco que veio para trazer uma cara nova para a nicotina. Por isso, ele faz parte também do rol de ações que desenvolvemos e estudamos dentro do Programa Nacional de Controle do Tabaco.


ISADORA: O cigarro eletrônico está rodeado de diferentes crenças e opiniões. Das primeiras pesquisas até os dias atuais, que informações mais concretas temos sobre ele?


ANDRÉA: O cigarro eletrônico pode ser uma porta para a iniciação em outras substâncias, tivemos recentemente uma pesquisa da Covitel que apontou 20% de experimentação, ainda que com um consumo baixo. Sabemos também que, apesar de se ter essa ideia, não é um produto efetivo para se parar de fumar, porque não se pode substituir um veículo de uso de substância psicoativa por outro, e dizer que a pessoa parou com o hábito. Além disso, temos também a questão das baterias, onde existe o risco de explosões e queimaduras. Portanto, apesar de serem diferentes, não se pode dizer que um é menos danoso que o outro.


ISADORA: Nos casos daqueles que já fumavam cigarros tradicionais, o cigarro eletrônico consegue satisfazer a vontade de fumar deles?


ANDRÉA: Esse é outro ponto que precisa ser mais estudado a longo prazo. Temos um consumo mais presente em jovens, 0,3% da população, o que é um índice baixo mas que preocupa justamente por estar na faixa dos 18 aos 24 anos. Essa é uma população muito acelerada, onde as pessoas vão trocando seus comportamentos, utilizando novos produtos, por isso precisamos de mais tempo para analisar esse fato em uma escala mais ampla. Intercalando os tipos de cigarro ou não, o que importa para o cérebro é a presença da nicotina. Inclusive, por conta do maior tempo de uso do eletrônico, cria-se uma dependência até mais rápida do que o tradicional. Até porque o tradicional é ruim, não se pode fumar em qualquer lugar, as pessoas se sentem incomodadas com o cheiro, enquanto isso, o vape não possui essas características, o que causa um efeito de aceitação maior por parte do usuário, causando dependência e hábito também.


ISADORA: Como você disse anteriormente, uma ideia comumente feita do cigarro eletrônico é que ele ajudaria as pessoas a pararem de fumar. Quais informações exatamente temos sobre isso?


ANDRÉA: O grande problema é que o cigarro eletrônico é mais uma via de consumo para a nicotina, então a pessoa tem esse pensamento de que não tem mais fumaça, nem alcatrão, o que condiz com todo o conhecimento que já existe sobre o cigarro tradicional. Por conta dessa desinformação, existe o imaginário de que você está dando um passo a mais, mas é uma enganação. Dependências químicas, comportamentais, e psicológicas podem ser estabelecidas também com o cigarro eletrônico, então as pessoas estão trocando um vício por outro.


ISADORA: No âmbito universitário, tem se observado um crescimento do uso de cigarros eletrônicos, principalmente jovens de 18 a 24 anos. Como funciona essa atratividade para esses grupos em específico?


ANDRÉA: Em uma busca na internet já é possível perceber que as lojas de cigarros tem toda uma variedade de produtos, modelos, formas e aromas diferentes que não se encontra no cigarro tradicional. Enquanto o tradicional é sempre aquele palitinho branco com a ponta marrom, no eletrônico você tem formato caneta, pen-drive, tanque, isso atrai as pessoas.


ISADORA: Visto posto toda essa conversa, quais são as suas expectativas, e as do INCA, para o cigarro eletrônico no futuro?


ANDRÉA: Nossa expectativa é que a RDC seja mantida, até para que seja possível termos campanhas e um compromisso maior com a população de esclarecimento sobre esse produto. Outra expectativa é que tenhamos mais recursos para fazer ações em grandes mídias e assim termos um pouco mais de espaço. Queremos fazer disso uma questão corriqueira, e trazer essas informações para jovens, adolescentes e adultos, sobre os malefícios do consumo. Queremos motivar também que essa participação venha da sociedade, e vocês possam falar para e com vocês, e envolver todos nesta sensibilidade. Vamos galgando aos pouquinhos, até pela falta de equipe e recursos, mas seguimos lutando.




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