Por Gabriela Orsi
AmarElo: É Tudo pra Ontem é uma aula essencial sobre cultura negra. O documentário é mais do que apenas um registro dos bastidores de um show do cantor Emicida no Teatro Municipal de São Paulo. Produzido pelo Laboratório Fantasma em parceria com a Netflix, o filme usa os seus cerca de 90 minutos com imensa delicadeza.
Emicida é a voz da narrativa. Além de rapper, cantor e compositor, ele também desenha roupas que são vendidas em lojas do Laboratório Fantasma, sua gravadora independente. Leandro, como diz sua certidão de nascimento, adotou seu nome artístico ao associar “mc” a “homicida” -- isso porque derrotava os concorrentes quando participava de batalhas de rap improvisado.
Já a Netflix, principal plataforma de streaming dos dias atuais, foi responsável pela coprodução e pela distribuição do filme. O seu poder e a sua influência foram essenciais para o enorme alcance do documentário e a consequente entrega dos ensinamentos e da mensagem de exaltação da história do povo preto apagada pelos brancos.
No início do filme, Emicida discorre sobre a importância de ocupações e representações. Ele aborda desde a escravidão e a riqueza provinda desse regime ao estouro do hip hop no país e à construção arquitetônica da cidade de São Paulo -- o que explica a escolha do Teatro Municipal para ser palco do show. O cantor exalta, inclusive, a importância do crescimento do preto na mídia, pois além do enriquecimento financeiro há a oportunidade de redigir as próprias histórias.
Um fator muito notável no documentário é a proximidade do artista com o público, uma vez que não há aquelas típicas grades que os separam. As luzes, que geralmente focam apenas na celebridade, são democráticas e iluminam toda a plateia, tornando-a também parte do show.
Em AmarElo, é evidente a preocupação em compreender o passado para viver conscientemente o presente e redigir o futuro. Esses fatores são visíveis, por exemplo, na exaltação ao ato de anos atrás do movimento negro nas escadarias do Teatro Municipal paulistano. Mesmo local, inclusive, que foi projetado por Tebas, homem negro que nunca recebeu os créditos do trabalho.
Em cortes que trazem entrevistas, é explícito também o desconhecimento do interior do local por parentes do cantor e por outros artistas negros. Frente a tudo isso, fica ainda mais perceptível a necessidade de que o espaço seja ocupado por pessoas pretas, LGBT+ e periféricas -- para que esses grupos o vejam não como algo intangível, mas como ambiente que foi construído por indivíduos como eles próprios (já que, nas palavras do artista, o espaço “é nosso”).
O projeto engrandece a coletividade e a esperança em todas as narrações e é fundamental para influenciar as próximas gerações. Ele inspira jovens negros e periféricos a serem quem são e a enaltecer seus ancestrais. E é por isso que se torna tão fundamental de se asssstir. Aliás, é essencial que seja também reassistido, pois a cada reprodução é possível captar novos aprendizados e compreender aspectos diferentes da realidade.
“Exu matou pássaro ontem com pedra que jogou hoje”. O ditado em iorubá que abre e encerra o documentário justifica toda a sua produção. Passado, presente e futuro estão interligados e é muito importante que o público compreenda as realidades propositalmente escondidas.
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