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Desmatamento e queimadas afetam clima no cerrado

Atualizado: 22 de nov. de 2021

Laboratório de climatologia da UFU acompanha as mudanças climáticas na região, apesar de corte em investimentos


Por Henrique Rodrigues


Área de cerrado que sofreu com queimada em 2019. Foto: Vitor Bueno

A tensão internacional que surgiu no Brasil nos últimos meses fez com que os olhares do mundo se voltassem para o clima. As queimadas que se alastraram na Amazônia, acompanhadas do crescente índice de desmatamento, têm provocado alterações climáticas em todo o país e revelaram um descomprometimento político com o combate ao aquecimento global.


Na cidade de Uberlândia, as alterações no clima têm provocado chuvas desreguladas, aumento da temperatura e umidade do ar em estágio crítico, o que pode ser justificado pela alta emissão de gases poluentes. Em 2018, o dia mais quente de Uberlândia, 24 de setembro, foi na primavera, e registrou temperatura de 35,1° e umidade relativa do ar com mínima de 15%. Já em 2019, esse dia se passou no inverno, 11 de setembro, com a umidade relativa do ar mais baixa, de 11% e com os termômetros marcando 35,7°, segundo dados registrados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).


Ainda que as pesquisas apontem que as causas das variações climáticas sejam as ações humanas, a política e a economia no Brasil e no mundo tendem a negar essa responsabilidade. O aquecimento global e os seus efeitos foram alvos de contestação pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante viagem à Berlim, no início do mês de outubro, quando questionou a parcela de contribuição humana nesse fenômeno. Esse comportamento leva à perda de credibilidade da pesquisa, além de contribuir para que não sejam colocadas em prática medidas necessárias na reversão dos danos das ações humanas à natureza.


A Universidade Federal de Uberlândia (UFU) é responsável na região por realizar essas pesquisas que investigam o clima. A instituição conta com um setor que realiza, regularmente, o acompanhamento meteorológico da cidade e arredores - o Laboratório de Climatologia e Recursos Hídricos (LCRH). O propósito do LCRH é compilar as informações coletadas e torná-las mais acessíveis à população.


O colaborador do LCRH, Eduardo Petrucci, explica que o desequilíbrio das chuvas, por exemplo, é um grave problema que impacta a cidade. “Percebemos que houve uma alteração na concentração de dias com chuva, causando chuvas mais intensas, desastres ambientais, enchentes, destelhamento de casas e até mortes diretas”, revela. Os meses de dezembro a janeiro representam o período em que a cidade possui a maior quantidade de precipitação e, também, quando abastece os reservatórios para passar o período de estiagem. Porém, com essa desregulagem, a quantidade de chuva esperada ao longo dos meses ocorre em poucos dias.


Além disso, a seca é outro fator que merece atenção. O agricultor familiar de Uberlândia, José Rubens Laureano, conta como a sua produção tem sido prejudicada. "Parece que a seca piorou bastante. Ela está mais prolongada, mais intensa, as plantas sentem mais e o consumo de água, para quem trabalha com hortaliças, triplica”. Laureano alega perceber sinais de desmatamento no entorno de sua plantação. “Com o desmatamento, a gente sente maior intensidade de calor, de vento e desequilíbrio na frequência de chuva, afetando diretamente a nossa produção", afirma o adepto da prática agroflorestal.


O doutorando em Geografia, com ênfase em climatologia e recursos hídricos, Samuel Alves, aponta que o aumento das temperaturas, por sua vez, pode estar relacionado às queimadas, já que liberam gases e partículas em suspensão no ar e transformam a cobertura vegetal do solo. “Caso o solo seja utilizado para a plantação de cana, como ocorre em massa na região de Uberlândia, o balanço de radiação irá ser alterado e as temperaturas irão subir”, explica o pesquisador.


Mesmo que algumas queimadas ocorram de forma natural, há ocorrências provocadas com objetivo econômico, como a criação de pastos bovinos, por exemplo. De acordo com os principais jornais locais, o Corpo de Bombeiros da cidade registrou um aumento no número de incêndios no primeiro quadrimestre do ano, em relação aos anos de 2017 e 2018. Até abril deste ano, foram registradas 127 queimadas na cidade.


Diante do aumento do período de estiagem em Uberlândia, e a consequente baixa umidade do ar, doenças crônicas, que possuem longa duração e podem persistir durante a vida, se agravaram na população. A médica da UAI Pampulha, Izabela Porto Ferreira, comenta sobre o cenário: "Os casos de asma se exacerbaram e os sintomas agudos ficaram mais frequentes. Também notamos um aumento da incidência de pneumonia nos pacientes, o que é um processo grave”. Sobre doenças consequentes da variação climática, Ferreira completa: “Não percebemos somente problemas respiratórios, como também vemos muita conjuntivite causada pelo tempo seco, principalmente alérgica”.


Os problemas respiratórios, como asma, bronquite, rinite e sinusite, tendem a piorar nos meses mais secos da região. No entanto, as mudanças climáticas provocaram a redução dos dias de chuva, impossibilitando o aumento da umidade do ar e a dispersão da poluição, gerada pela queima de combustíveis fósseis.


Neste contexto climático, Eduardo Petrucci, do LCRH, afirma que é necessário desenvolver mais pesquisas. “Não podemos falar que há mudança no clima de Uberlândia sem estudos a longo prazo. Porém, no último quinquênio, entre 2010 e 2015, observamos a concentração dos maiores extremos de temperatura em Uberlândia, representando uma alteração no padrão do comportamento das variáveis”.


Climatologia


O LCRH coleta os dados da Estação Meteorológica do Inmet, localizada no campus Santa Mônica, e trabalha as estatísticas. Anomalias, comparações anuais de variações dos ventos, das chuvas e das temperaturas da cidade são disponibilizadas em forma de mapas e gráficos no portal.


Heliógrafo, aparelho utilizado para a observação fotográfica do sol. Ao fundo, Eduardo Petrucci. Foto: Vitor Bueno

O trabalho realizado no estudo das variáveis climáticas pode auxiliar na proposição de políticas públicas para o uso consciente dos recursos naturais e para a prevenção de doenças. Esse estudo é também fundamental para a manutenção de serviços básicos para a comunidade, como a aviação e a agricultura, além de afetar a qualidade de vida dos habitantes.


Petrucci revela que, apesar da importância das pesquisas e levantamentos do laboratório para a sociedade, os cortes de orçamento, impostos pelo governo federal no início do ano e desfeitos recentemente, colocaram em risco a manutenção dos trabalhos. “Um aluno não se mantém no laboratório sem bolsa. Nós temos contas a pagar. Então, muitos deixaram de vir, para buscar um trabalho remunerado”, descreve o bolsista de doutorado pela CAPES.


Embora o trabalho desenvolvido pela UFU seja indispensável para compreender as mudanças climáticas e seus impactos no cotidiano, essa medida de contingenciamento revela descaso com a pesquisa e gera preocupação, visto que, se interrompido, a ausência desse serviço causará prejuízos imensuráveis para a cidade.

Riqueza ameaçada


O Cerrado possui grande biodiversidade e potencial aquífero, uma vez que concentra as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata). Contudo, é o bioma com a menor porcentagem de áreas sobre proteção integral do país, segundo informações do Ministério do Meio Ambiente.

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