Estudantes e funcionários apontam lacunas no processo de implementação e uso de plataformas privadas nas universidades públicas
Por Amanda Passeado e Ana Clara Souza
Iniciada em 2018, a parceria entre UFU e Microsoft gerou discussões acerca da implementação do serviço e das implicações do uso de tecnologias privadas em uma instituição pública de ensino. O pacote contratado pela UFU foi o Office 365, que conta com os softwares Microsoft Teams, Word, Excel, PowerPoint, Outlook e OneDrive.
O valor pago pela universidade foi de 2.670.624,00 e o ano para encerramento do contrato é 2025, com chances de ser prorrogado. No entanto, pontos como a proteção de dados dos usuários e os termos de privacidade do sistema não foram totalmente esclarecidos para os funcionários e estudantes da instituição.
No site da Universidade, a informação é de que a parceria se iniciou em 2018. Contudo, a comunidade acadêmica relata que só obteve acesso à plataforma durante a pandemia, em 2021. As dúvidas recorrentes dos alunos e servidores se baseiam na questão da disponibilização de dados pessoais e acadêmicos para essas empresas privadas.
PACOTE OFFICE E OS ESTUDOS
Ana Laura de Castro, é aluna do 6º período do curso de História na UFU, antes de entrar na faculdade e ter acesso ao pacote, ela utilizava os serviços de forma craqueada. Entretanto, sempre teve interesse em usufruir de forma legítima e completa.
Para a estudante, o Pacote Office 365 auxilia muito nos estudos e é um facilitador no dia a dia, além de possuir espaço na nuvem para armazenar conteúdos e textos acadêmicos. Ela conta que foi informada sobre a parceria e o uso da plataforma durante a pandemia, por meio de um comunicado da coordenação do curso.
A aluna afirma que possui algumas preocupações sobre a utilização de seus dados pelo software, mas acredita que não tenha nada que se possa fazer, pois para usufruir do pacote é necessário permitir acesso às suas informações. “Acaba que essa permissão é quase um pré-requisito para você conseguir utilizar esse tipo de tecnologia”.
Contudo, para Ana Laura, a maior problemática são os aplicativos como o Teams. Ela explica que, até 2022, muitos professores o utilizavam como recurso complementar às aulas, porém, ele é um aplicativo que exige muito do computador em termos de capacidade. “Era complicado quando eu ainda não tinha trocado meu notebook. Começava uma aula de manhã e tinha que esperar quase meia hora para o aplicativo rodar plenamente”, comenta a estudante.
SUA OPINIÃO FOI LEVADA EM CONSIDERAÇÃO?
Para Ricardo Ferreira, técnico em editoração no curso de Jornalismo da UFU com dissertação de mestrado sobre o tema, poderiam ter ocorrido mais discussões sobre o tópico e acerca do contrato firmado pela instituição.
“Eu, como usuário e funcionário da universidade, não fui perguntado, não chegou a mim nenhuma consulta se isso era bom ou não. Fui, simplesmente, colocado para utilizar a plataforma. Então tá bom, nós vamos usar da mesma maneira que o aluno está usando, porque é o que tem.”
O técnico também comentou a opção da UFU em migrar do e-mail institucional para o software privado, uma das opções fornecidas pelo contrato. Para ele, essa mudança ocorreu devido aos problemas com a falta de armazenamento, já que a Microsoft dispõe de um espaço muito grande na nuvem.
Ricardo questiona, portanto, apenas a maneira como essa parceria foi realizada, ou seja, sem transparência para estudantes e funcionários. “Acho que a Universidade poderia informar aos alunos sobre como os dados serão utilizados. Eles vão utilizar a plataforma, porque é o que está sendo oferecido pela instituição, mas não recebem uma explicação acerca do que pode acontecer.”
Além disso, em entrevista, o diretor do CTIC (Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação), Rafael Pasquini, comentou acerca do contrato: “Em 2021, a UFU optou por contratar a Microsoft em seu pacote educacional pago, por meio de uma licitação conduzida pela Secretaria de Governo Digital, do então Ministério da Economia. Dentre os fatores analisados para a contratação, há o serviço de e-mail, o espaço em nuvem e as ferramentas para trabalho colaborativo dos setores administrativos da instituição.”
Pasquini tranquiliza os usuários acerca do que de fato é disponibilizado, “São dados básicos, como nome e e-mail alternativo, consoante os requisitos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).”
UNIVERSIDADES PÚBLICAS E AS TECNOLOGIAS PRIVADAS
Leonardo Ribeiro da Cruz, professor da Universidade Federal do Pará e coordenador do projeto Educação Vigiada, aponta que, atualmente, 154 instituições públicas possuem parceria com empresas de tecnologia. Para ele, a transição do armazenamento de informações acadêmicas dos servidores públicos para os privados não é totalmente benéfica. "Na universidade, as pesquisas e teses são o tipo de coisas guardadas em cofres, com segurança. Quando isso vai para um espaço abstrato, como as nuvens, se perde essa ideia de proteção."
O professor também reforça que isso se torna um problema ainda maior quando o público acadêmico é excluído das discussões e decisões. "Esse tipo de relação nebulosa favorece a violação da privacidade de estudantes, professores e funcionários. A decisão chega aos colaboradores e alunos quando já foi tomada e, no fim, você é obrigado a utilizar a Google ou a Microsoft em algum momento.”
A falta de transparência nos contratos firmados entre as instituições de ensino e as grandes empresas de tecnologia afeta o entendimento dos usuários sobre os riscos que esses softwares podem oferecer. Por isso, a Universidade deve discutir questões como essa, se atentar e realizar medidas protetivas, finaliza o docente.
A entrevista completa com Leonardo pode ser encontrada na edição 52 do Jornal Senso Incomum.
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