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Nós estamos (des)protegidas

Coordenadora do curso de Direito esclarece o papel da universidade no combate ao assédio e importunação sexual


Por Estela Silva de Araújo

Professora Flávia Neiva, docente no curso de Direito da UFU, trabalha há mais de 30 anos com o enfrentamento da violência contra a mulher. Foto: Estela Araújo

Com a volta às aulas presenciais e a maior movimentação dentro e nas proximidades dos campis, os casos de importunação sexual aumentaram, impulsionando uma movimentação de mulheres na universidade que se sentem desprotegidas. A professora Flávia Neiva, docente no curso de Direito da UFU, trabalha há mais de 30 anos com o enfrentamento da violência contra a mulher, tanto sexual quanto psicológica, e coordenou o projeto Todas por Elas. Atualmente, ela coordena o projeto Acolhidas, um coletivo feminista que combate a violência de gênero e atende vítimas de assédio sexual.


Após os relatos de violência em diferentes campis da universidade — como, por exemplo, o recente caso em que um homem foi pego tirando fotos das alunas no banheiro feminino do campus Umuarama —, a professora, juntamente com as autoridades da cidade de Uberlândia, buscou junto à Reitoria um plano de ação para conter o problema. Como resposta, foi organizada uma série de treinamentos para os profissionais de vigilância, a fim de garantir melhores condições de segurança nos campis. Em entrevista ao Senso (In) Comum, Flávia fala sobre as mudanças na UFU e aponta os problemas enfrentados para que medidas mais efetivas sejam tomadas.



Senso (In)Comum: Como a violência contra a mulher tem sido tratada na UFU, ao longo dos tempos?


Flávia Neiva: Os crimes de importunação sexual dentro da instituição sempre foram muito comuns, assim como um outro tipo de crime, talvez menos denunciado, o assédio sexual. Existe uma relação hierárquica entre vítima e algoz, extremamente recorrente nas instituições. Então a gente percebe que a violência contra as mulheres nas universidades é um tema antigo e comum.


Quando a instituição estrutura a política de prevenção da violência contra as mulheres, elas se sentem muito mais fortalecidas no sentido de dizer: ‘’se acontecer, eu vou denunciar, sim’’, e isso faz com que surjam mais casos [denunciados]. Esse é um fato fundamental e importante: a denúncia. Se o seu professor, de alguma forma, fez uma gracinha, fez uma piada ou falou sobre a sua aparência, denuncie. Se você conhece alguém que é espionado no banheiro ou numa festa, denuncie.


Ficamos em pandemia por dois anos, então, a universidade estava vazia, não estava preparada e precisava de mais vigilância. Não é culpa exclusiva da universidade, porque nós temos uma política de desmonte que reduz o orçamento e impossibilita o aumento dos vigilantes. E quem vai pagar o preço disso são as pessoas mais vulneráveis, são as meninas, nossas alunas.


Senso (In)Comum: De fato, muitas alunas sentem que a UFU não está preparada o suficiente para acolhê-las. Qual é a alternativa para essas mulheres?


Flávia Neiva: A CP Mulheres (Comissão Permanente de Acompanhamento da Política Institucional de Valorização e Proteção das Mulheres) tem feito um trabalho de mapear os pontos mais vulneráveis para que a universidade possa buscar caminhos. A primeira coisa, denuncie sempre pelo email, ou pelo nosso Instagram. Pode denunciar no Acolhidas, que possui Instagram também, em sua coordenação ou na direção. E se a coordenação, direção, não fizer nada, denuncie para SEPSE.


Nossa função é fiscalizar se os órgãos da UFU estão cumprindo a resolução. Se você foi vítima de importunação sexual, denuncie. Vá na delegacia da mulher e faça o boletim de ocorrência. Se você precisar de auxílio para fazer o boletim ou como fazer, o Acolhidas estará aqui para te apoiar. Então, a primeira coisa é denunciar. Não tenha medo!


Senso (In)Comum: Em relação ao acontecimento no campus Umuarama, o que estava no alcance dos seguranças da universidade que eles poderiam ter feito? Faltou alguma preparação por parte deles?


Flávia Neiva: Realmente, eles não foram bem preparados. É um ponto que a gente já conversou, e que vai ser posto para a empresa que os contratou para que os prepare. Eles deveriam estar ao lado das alunas e ter chamado a polícia para registrar a ocorrência. O apoio psicológico é necessário e eles não fizeram o serviço adequado, diria que houve falhas, sim. Mas nós entendemos ou esperamos, que esse fato tenha sido gerador dessa conversa com as prestadoras de serviço para que agora eles venham mais bem preparados.


Senso (In)Comum: A gente sabe que teve um apitaço em direção à reitoria. O que a universidade está buscando fazer para reparar o caso?


Flávia Neiva: Eu não conheço nenhuma empresa que preste segurança que tenha uma preparação específica para atender crimes sexuais e violência contra a mulher, e não é por falta de denúncia ou por falta de provas, né? Esse é o primeiro problema que causa isso, o machismo estrutural. A segunda causa é, sem dúvida, o momento que o país está passando com as mulheres, porque nós temos uma campanha puxada pelo governo federal de que as mulheres devem ficar dentro de casa, que não devem trabalhar, não devem sair etc.


Isso aflora e provoca mais ainda os predadores. O Brasil tem uma das melhores legislações do mundo, não é um problema legislativo, é um problema educacional que precisa ser enfrentado. O melhor caminho para isso, na minha opinião, se chama auto-organização das mulheres.

Senso (In)Comum: Em relação à contratação dos seguranças, eles são designados apenas para proteger o patrimônio?


Flávia Neiva: Na verdade, é uma segurança chamada segurança orgânica, que eram servidores contratados. Esse cargo deixou de existir, e quando isso aconteceu, alegou-se isso para ter a figura da terceirização, ou seja, ela não é uma função afim da universidade, pode ser terceirizada. No entanto, foi mal estabelecida, pois ele foi estruturado como segurança patrimonial. O que vem em desacordo com a função da universidade, que tem como demanda a vigilância pessoal.


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