Alunos da Universidade falam sobre a importância da mudança do nome para a comunidade
Por: Mell Santos e Maria Eduarda Amorim
Para fazer a mudança do nome social nos registors internos da UFU basta acessar o portal do aluno Foto: Mell Santos
“Como você quer ser chamado?”. Essa foi a primeira coisa que a mãe de Rafael Costa, dentista formado em 2021 pela UFU, lhe disse quando ele contou ser um homem transexual. A mudança do nome é um dos primeiros passos na transição de gênero, sendo de grande importância para a reescrita de narrativas de pessoas trans e travestis.
Para a comunidade, a modificação do prenome vai além de um vocativo e se torna um símbolo de luta, resistência e autodefinição. Rafael expõe que cada vez que utilizavam o seu nome era uma reafirmação de si mesmo, “O Rafael estava ali presente. Era eu. Como eu queria ser tratado. Como eu sou”.
Ainda que sejam facilmente confundidos, os processos de solicitação do uso de nome social e a retificação de nome e gênero são distintos. O primeiro se refere ao direito de pessoas trans utilizarem nomes com os quais se identificam. Já o segundo, é a mudança dos registros civis no cartório. Nesse último caso, o “nome morto” da pessoa passa a ser confidencial e utilizado somente com autorização.
Nome social na UFU
Alíka Hortênsia é uma mulher trans, graduanda de Jornalismo pela UFU, que passou pelo processo de mudança do nome oferecido pela Universidade. Para ela, o uso do nome social foi uma forma de se posicionar sobre quem ela é. “Hoje eu já consigo usar vestido, saia. Essa parte da vestimenta pra mim foi o limite que faltava, um divisor de águas”.
Em 2015, a UFU se tornou a primeira instituição de Uberlândia a legitimar o uso do nome social em todos os seus documentos internos. Apesar de pioneira na inclusão da comunidade LGBTQIA+, havia uma carência de representantes desse movimento na UFU.
Assim, em 2019, surgiu a Comissão Permanente de Acompanhamento da Política de Diversidade Sexual e de Gênero (CPDIVERSA). A iniciativa tem como enfoque a luta política contra a discriminação e anulação dos direitos da população LGBTQIA+ na instituição.
O atual coordenador do projeto, Fábio Camargo, professor de literatura brasileira no Instituto de Letras e Linguística (ILEEL/UFU), afirma que as pró-reitorias não exerciam de forma efetiva a mudança de nome. Não havia um levantamento de dados sobre essa questão, e foi através da CPDIVERSA que se iniciou um processo de regularização dessa demanda.
A alteração do nome não define a identidade
Ainda que a alteração do nome nos documentos seja um passo importante na transição de gênero, não é uma ação que define a identidade de alguém. Como afirma Luiza Araújo, mulher travesti e pós-graduanda de Geografia na UFU Pontal, “Eu defendo com unhas e dentes que as pessoas tenham o direito de solicitar a retificação de prenome e gênero, e o uso do nome social”.
Ela acredita que o direito à escolha de como ser identificado é uma premissa básica à existência, que vai além do civil. Para a aluna, a alteração dos documentos não era algo essencial em sua transição, usar o nome Luiza no seu meio social já reivindicava seu lugar de mulher travesti.
A estudante também afirma que no processo de retificação há um problema com a binaridade. “Ou você é homem, ou você é mulher. Não existe nada entre isso, que é a nossa identidade. A gente é travesti, transexual”, ressalta Luiza.
Diferente de Luiza, que teve essa escolha, dados mostram que cerca de 63,6% de pessoas trans não conseguiram a retificação pela falta de acesso à informação. A pesquisa é de 2022 e foi feita pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
Na busca de facilitar essa questão aos estudantes da UFU e da comunidade externa, surgiu o Somos em 2018, um projeto de extensão ligado ao Escritório de Assessoria Jurídica Popular (Esajup). A iniciativa oferece orientação gratuita às pessoas LGBTQIA+.
Atualmente, o grupo cresceu e deixou de ser uma assessoria, se tornando também um difusor de informações, além de auxiliar no processo de retificação do nome de forma gratuita. De acordo com uma das coordenadoras do Somos, a advogada Camila de Paço, interessados em esclarecimentos podem marcar um horário de atendimento com o projeto. Se a pessoa puder arcar com os custos, pode ir ao cartório e iniciar a retificação. Caso não possa, o projeto oferece orientação jurídica para dar uma alternativa.
Rafael, Alika e Luiza são pessoas que carregam em seus nomes o peso da luta da comunidade trans e travesti pelo direito de existir. Mesmo com narrativas diferentes, todos reafirmam a importância de um nome para a sua identidade. “Como você quer ser chamado?”, nesse contexto, deixa de ser apenas uma indagação para se transformar em uma forma de reconhecer a existência do outro.
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