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"Onde estão as pessoas negras se elas não estão aqui?''

Entenda a relevância de núcleos afrorraciais na UFU


Por Camila Karen


Assuntos afrorraciais possuem grande importância para todo o país e precisam ser discutidos, tendo em vista que pessoas negras representam mais da metade, 56%, da população brasileira (somatório de pretos e pardos autodeclarados), de acordo com o IBGE. Porém, essa maioria não é vista também na UFU, onde a quantidade de pessoas autodeclaradas negras era de 39,14% em 2018, segundo pesquisa da Associação Nacional de Dirigentes de Ensino Superior (Andifes).


Quando falamos de pesquisas e iniciações científicas, essa discrepância também se mostra forte, o que nos desperta a pergunta: por que pessoas negras não estão ocupando os espaços acadêmicos? Para responder a essa e outras questões afins, convidamos a atual vice-coordenadora Executiva do NEAB/UFU (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros), que tem como objetivo promover debates, palestras, projetos de extensão e tudo que envolve a temática racial dentro do espaço universitário e para a comunidade externa.


Jane Maria dos Santos Reis,vice coordenação do NEAB/UFU (núcleo de estudos afrobrasileiros

Jane Maria dos Santos Reis é graduada em Ciências Sociais, mestre em educação na linha de pesquisa de Políticas e Gestão e doutora em Educação pela UFU. Em entrevista ao Senso (In) comum, ela discute a presença de pessoas negras no âmbito acadêmico, a importância da representatividade da ocupação de cargos de liderança na estrutura organizacional da universidade e como isso reflete para além dela.


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Entrevista

CAMILA: Hoje você é a vice-coordenadora do NEAB. Conta um pouquinho para a gente como começou a sua carreira acadêmica até se tornar vice-coordenadora.


JANE: Sobre a minha carreira, até os dias atuais, a minha imersão nessa temática, eu digo o seguinte: até os meus 30 e poucos anos de idade, eu não me conhecia a partir da minha ancestralidade, das minhas características fenotípicas. Quem proporcionou esse autoconhecimento foi o NEAB. Foi no trabalho pela educação anti-racista, pela luta anti-racista.


Eu demorei muito a me construir, a me compreender. Comecei porque eu era uma das poucas mulheres negras dentro desse espaço que estava aqui dentro. O professor Guimes falava assim: "Vem com a gente! vamos para o NEAB! A gente tem as cotas”, e, devagarzinho, eu vim para esse espaço onde, hoje, me sinto parte.


Para mim, o NEAB não é apenas uma causa profissional, ele é um propósito de vida ao qual eu me dedico e venho me dedicando a mais de uma década e pretendo me dedicar até meu último suspiro. Porque eu desejo uma sociedade melhor para as pessoas negras do nosso país, e uma das poucas possibilidades que podem ser construídas estão dentro desta universidade, assim como de várias outras.


CAMILA: Nesse contexto em que a universidade é composta - alunos brancos majoritariamente -, como você enxerga a importância de um espaço como o NEAB para estudar assuntos afro raciais?


JANE: É de demanda do NEAB tudo o que o assunto for étnico racial, não só dentro da UFU, mas nas universidades. Se dá porque hoje nós temos uma rede nacional dentro da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros). Há um consórcio entre os NEAB’s e NEABI’s, tendo em vista que contemplam a questão indígena, que está nas diferentes instituições de ensino superior do país.


O espaço promove acolhimento e atendimento de discentes, docentes, técnicos administrativos e as unidades acadêmicas dos cursos de graduação que solicitam palestras e informações.


CAMILA: Como você acha que a falta de representatividade de pessoas negras dentro da universidade afeta os jovens que querem ter uma graduação e trabalhar na área da ciência?


JANE: Essa falta de representatividade eu sempre começo por mim mesma, pela história que foi minha infância enquanto mulher negra. Provavelmente, vocês não assistiram, mas um dos desenhos animados que era o auge da minha infância era a “She-ra”. Eu sempre brinco e dou esse exemplo porque é uma super heroína loira, branca, maravilhosa, com todos superpoderes que eu nunca imaginava que poderia ser.


Eu sempre cresci com o estigma de que eu nunca era bela o bastante para alguém passar a mão no meu cabelo e falar “que linda você é”, porque o meu cabelo era diferente, ele não tinha textura lisa, como os padrões esteticamente belos que imperavam e continuam imperando até hoje.


Então, a representatividade é para você, desde criança, poder ter uma professora negra e falar assim “quando eu crescer, quero ser professora”; ao ver um filme, uma propaganda de TV, ter uma engenheira e querer ser uma engenheira, querer ser o que eu quiser.


Só que eu não vejo pessoas como a mim, com as minhas particularidades físicas, porque estamos falando do Brasil, e o que impera é o preconceito de marca pela característica dos corpos negros que tem nosso país. E a gente precisa desconstruir isso, se não as pessoas nunca vão se enxergar, a criança não vai se ver como bonita com o seu cabelo crespo, o jovem nunca vai conseguir se ver num grande cargo de uma empresa. Juiz negro vocês conhecem? Juízes negros são raridades. Como eu vou querer ser se não tenho essa noção que necessita?


CAMILA: Sobre a Lei de Cotas, esse ano ela será revisada como política pública. Enquanto vice-coordenadora de um projeto tão importante dentro da universidade, como você enxerga essa importância?


JANE: As cotas são forças motrizes da promoção da equidade racial e de outros tipos de equidade. A importância delas vem para que a gente historicamente consiga modificar os espaços que negras e negros ocupam ao longo da história do nosso país.


Então, tal política vem justamente para modificar esse lugar que, historicamente, as pessoas negras vêm ocupando no nosso país, para que possam ocupar outros a partir do acesso ao ensino e à educação superior. Deve haver uma promoção de equidade, ou seja, dar às pessoas as mesmas possibilidades de ingresso dentro desse espaço público.


Levando em conta a dívida histórica do nosso país, quando a gente começar a ver negros e negras nesses espaços que eu estou contando para vocês desde o início da nossa conversa - no judiciário, nos concursos públicos, nas reitorias, nas pró-reitorias, nas grandes empresas e corporações -, aí sim nós vamos ter visto o efeito da Lei de Cotas, mas a gente ainda está muito longe disso.


CAMILA: Em contexto geral, você acha que esses projetos têm um reconhecimento ou, pelo menos, um incentivo necessário dentro da universidade?


JANE: Há limitações, há impasses burocráticos, racistas, etc. Por isso, volto a afirmar: é uma luta, é um engajamento que é muito mais do que profissional, ele é de vida mesmo, para a gente poder dar conta. Porque ser negro é infernal, vocês sabem, estar nesses espaços é infernal e a gente precisa de muita saúde mental para continuar nesse trabalho, nessa luta.


Um dos papéis do NEAB e do DIEPAFRO é cobrar aos gestores universitários das necessidades que nós temos de trabalhar com qualidade com as cotas raciais, procedimentos de heteroidentificação, de ofertar a formação continuada para professores, servidores e pessoas que lidam direta ou indiretamente com essa temática e, aos poucos, a gente vai começando a alterar.


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