Por Coletivo Acolhidas
É muito comum, mesmo na sociedade atual, ouvirmos que, enquanto mulheres, nascemos para sermos mães. Nesse viés, de acordo com Oliveira (2007), a maternidade é vista como parte da essência feminina e quem a rejeita, nega a si própria. Logo, tal realidade é imposta ao corpo feminino como algo inerente à mulher, fazendo com que aquelas que tentam evitar esse destino, independente da razão, sejam duramente criticadas pela sociedade.
Desse modo, a sociedade impõe à mulher que ame e crie um ser gerado a partir de uma ação conjunta, mas que somente a ela são atribuídas as responsabilidades, pois milhares de homens negligenciam seus filhos sem que seus nomes sejam expostos ou suas ações apontadas. Para elucidar o exposto, cabe destacar a tratativa da temática aborto legal no Brasil (possibilidade prevista para as seguintes situações: estupro, risco de morte para a mãe e o bebê e fetos com anencefalia) e o assunto adoção. Acerca disso, mesmo nos casos supracitados o olhar social sobre a figura feminina que, por direito, resolve interromper uma gestação ou ceder para adoção é repleto de julgamentos. Contudo, pouco se fala quanto aos pais que, durante a gravidez ou mesmo após o nascimento, contribuem apenas com um valor financeiro irrisório e visitas quinzenais ao progênito, isentos dos desgastes e despesas reais conferidos à mãe.
Assim, o fato é que mesmo que o aborto legal esteja previsto pelo Código Penal (ar. 128, II) em casos de estupro, quem decide abortar é constantemente julgada pela sociedade e pelos médicos, sendo que esses últimos, em especial, deveriam manter a ética, o sigilo e respeitar as normas jurídicas vigentes, conforme resolução nº 1.605/2000 do Conselho Federal de Medicina.
No geral, ainda que a gravidez tenha ocorrido sem o consentimento e desejo da mulher, a sociedade tenta fazer com que ela internalize as noções de que, independentemente da causa, agora ela é mãe, deve amar e cuidar bem dessa criança (além de curtir a experiência!), deixando de lado toda a realidade vivida e as situações de revitimização (ou seja, reviver a violência sexual a partir das lembranças, ter que falar sobre para terceiros, ser culpada e sentir culpa, mesmo que não a tenha). Outrossim, tende a ser julgada caso resolva gerar o bebê e destiná-lo à adoção (recurso regulado pela lei nº 13.509/2017).
Dito isso, é imprescindível destacar a maneira diferente de como os juízos morais incidem quando o tema tratado é a paternidade. Aos homens é legitimado o abandono afetivo e socialmente não se espera que estejam presentes nos pequenos processos inerentes ao desenvolvimento da criança, dado que, desde a antiguidade, assumiram o papel de ‘provedor” que os mantiveram afastados das tarefas relativas ao lar e à prole. Assim, ao observar a conquista feminina de independência financeira e sua expansão no universo do trabalho, nota-se que o pensamento social não conseguira acompanhar tal evolução. Por conseguinte, uma sobrecarga instaurou-se e as mulheres têm se desdobrado para realizar com êxito suas múltiplas funções.
Portanto, ao observar todos esses fatores fica nítido que o controle sobre o corpo feminino persiste e continua a ferir mulheres. Porque se ela aborta é um monstro, se ela entrega para a adoção é insensível e se ela fica com a criança, mesmo que não esteja apta dar o amor e o cuidado necessários, é uma péssima mãe. Ser mulher e ser mãe, independente da realidade, sempre possuirá um erro condenável pela sociedade, porque o certo mesmo é ser homem.
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