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FACETAS SOCIAIS DE MANUTENÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Por Anita Naves Dutra

Coletivo Acolhidas


Uma pergunta bastante pertinente por nós é aquela que procura responder a razão de a violência contra a mulher permanecer de forma expressiva na sociedade contemporânea, mesmo após tantas lutas. Entendemos que vivemos em uma época de direitos conquistados, visto que, da Constituição de 1934, por exemplo, foi instaurado o voto feminino e, além disso, com o passar dos anos, nas demais legislações, como a Lei nº 11.340 (Maria da Penha), foi sendo trabalhada a ideia sobre a mulher como pessoa representada socialmente. Então, o que faz a violência contra ela, relacionada à dominação social, ser tão frequente mesmo depois dessas conquistas? Quais facetas prevalecem e contribuem para que esse problema seja tão pertinente?


Acredito ser interessante a abordagem de algumas perspectivas as quais denotam sobre a expectativa social que ainda existe sobre o comportamento da mulher. Um exemplo é o estereótipo de vítima criado pelo imaginário social, o qual revitimiza institucionalmente as mulheres e, além disso, outro exemplo é o desvirtuamento de discursos que, a partir de casos específicos, procuram deslegitimar essas agressões.


Sobre o imaginário social, a partir do caso da Mariana Ferrer, observamos que existe um estereótipo de vítima, o qual delimita que, as mulheres, para serem reconhecidas, de forma legítima, como vítimas de agressões, precisam se encaixar em alguns padrões morais estabelecidos. Visto que, caso isso não aconteça, ou seja, caso as mulheres possuam um comportamento menos conservador, são completamente julgadas. Situações como as observadas nesse caso, explicitadas pelo Jornal Globo, em que ela precisou escutar de um representante institucional que o mesmo desejava jamais ter uma filha do nível de Mariana, pela questão de ela ser modelo profissional e exibir foto de si - entre outras coisas.


É observável, de forma clara, que essa questão pode fazer com que muitas mulheres não queiram denunciar suas agressões, por saber que seus hábitos podem ser investigados e as mesmas podem passar por situações vexatórias, o que torna perpétuo o ciclo violento em que vivem e faz permanecer esse problema social. Nesse mesmo sentido, a partir da repercussão desse caso, consoante ao site Agência Senado, foi entendida a necessidade de um projeto (PL 5.091/2020) contra a revitimização das mulheres vítimas de agressões.


Uma questão interessante é que este estereótipo foi alimentado, durante os períodos históricos, de forma preponderante. A visão da mulher historicamente é trabalhada a partir de um aspecto totalmente submisso e conservador, de exclusão e julgamentos àquelas que não se encaixam no que é delimitado.


Um exemplo clássico, que permeou o imaginário social e que serve para o entendimento dos estereótipos relacionados às mulheres são as denominadas "bruxas", uma concepção iniciada durante a Idade Média e que, em alguns lugares, persiste. Consoante ao site BBC News, um estudo realizado demonstrou que bruxas eram aquelas mulheres vistas como subversivas do papel social que havia lhes sido dado, porquanto elas desafiavam a noção de submissão, conservadorismo, domesticidade e passividade.


Em síntese, é entendível que, observando de forma analítica, persistem resquícios antigos de opressão moral às mulheres e, por conseguinte, elas, ao denunciarem suas agressões, recebem julgamentos ao invés de acolhimento, o que faz com que muitas possuam medo de denunciar e, dessa forma, a agressão contra a mulher persiste em números maiores. O jornal Correio Braziliense explicita esse problema, por meio dos dados de que, conforme um senso realizado em 2021, 43 mulheres são vítimas de violência doméstica diariamente.


Outra faceta é o desvirtuamento de discursos e a utilização de casos específicos para deslegitimar a importância da luta ao combate da violência contra a mulher. Um exemplo bastante atual é o de Amber Heard e Johnny Depp, em que, após a repercussão, foram observadas, conforme a revista Exame, diversas páginas de extrema direita as quais usaram desse episódio para disseminar conteúdos sexistas e contra os direitos das mulheres.


Além da questão da revitimização observada anteriormente, a utilização desses casos específicos pode contribuir para tornar duvidosas socialmente as vítimas, não apenas pela questão moral, mas pelo próprio questionamento: existe mesmo violência contra a mulher nos níveis denunciados? De forma clara, essa questão também reprime as vítimas de agressão de realizarem denúncias, porquanto as mulheres agredidas são reduzidas ao aspecto generalizado alimentado socialmente, de que todas mentem, de que todas aumentam as situações em que vivem, ou seja, se fazem de vítima, entre outros.


As lutas conquistadas através da burocracia, pelos direitos adquiridos,

convive, diariamente, com a perspectiva social de opressão moral à mulher, a qual, apesar de vivermos em tempos modernos, apresenta resquícios de tempos extremamente opressores, o que contribui para que a violência contra a mulher muitas vezes não seja dita, por medo de julgamentos.

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