Uma análise das matérias veiculadas durante a única competição continental do futebol de mulheres
Por Ítana Santos
O futebol é um dos esportes mais populares e acessíveis do mundo. Para praticá-lo é necessário somente um espaço plaino, demarcação da área de jogo, do gol, uma bola, - ou algo que sirva para chutar, - e dois times adversários. Esses são os itens necessários para qualquer partida de futebol, mas também, de bônus, a disputa quase sempre conta com público, que chamamos de torcida, e normalmente estão ali por serem apaixonados pelo esporte da bola nos pés. É esta paixão, e também o retrospecto brasileiro nas Copas do Mundo de futebol masculino da FIFA, que o Brasil, e o povo brasileiro, são conhecidos como o país do futebol. São vários campeonatos, mais de 600 clubes profissionais de futebol que alimentam essa paixão nacional.
Quando falamos em futebol não podemos nos esquecer de todas suas variações em categorias. No Brasil o futebol é praticado tanto por homens, quanto mulheres e em diferentes faixas etárias. Todos esses com competições oficiais e clubes profissionais. Muitas vezes acabamos sempre focando só no futebol masculino jogado pela equipe profissional quando falamos deste esporte.
A falta de cobertura das outras categorias, principalmente no caso do futebol de mulheres, acontece por duas características que estão ligadas entre si de forma direta e circular. Primeiro, a desculpa de que a categoria feminina não possui público interessado no produto. O que já se mostra um argumento inválido visto que, de acordo com o Mini Manual do Jornalismo Humanizado da ONG Think Olga, em um levantamento feito pelo Kantar Ibope Media, o relatório mostra que 22,5 milhões de pessoas assistiram a partida de futebol feminino Brasil e Austrália, pelas quartas de final da Olimpíada do Rio de Janeiro. A partida foi o quarto evento dos Jogos mais visto pela TV brasileira. O segundo argumento é de que a cobertura da categoria feminina não é rentável ao jornalismo porque uma vez que não tem público, não tem procura e a baixa demanda gera menos patrocínio, menor cobertura. O Mini Manual também aponta que apenas 3% do noticiário esportivo é voltado para a cobertura de atletas e competições femininas, segundo pesquisa da Women’s Sports Foudation.
Hoje, o futebol jogado por mulheres vive outro momento de sua história no Brasil. A prática, que já foi proibida durante muitos anos com lei nacional sancionada em 1941 por Getúlio Vargas, possui campeonatos profissionais e de grande relevância continental, clubes com gestão individual para a equipe feminina, profissionalização das atletas e ainda mais admiradores que antes. Tudo isso empurrou o jornalismo esportivo a cumprir com sua tarefa e fazer a cobertura dos times e eventos para além da qual fazia só com os elencos e competições masculinas. Mas, ainda sim, esse trabalho é muito escasso e com algumas falhas.
A presente análise busca mostrar parte da cobertura de alguns veículos online que fizeram a cobertura da Copa Libertadores Feminina 2021. Esta competição é de nível continental, contando com participantes de dez países da América do Sul, mas com pouca repercussão na mídia. Por isso, mesmo tendo uma grande área de cobertura, a Libertadores Feminina é pouco conhecida. A baixa atenção jornalística dada ao futebol de mulheres faz com que uma competição desta magnitude não seja tão conhecida, mesmo que sua versão masculina seja conhecida no mundo inteiro e muito acompanhada pelos fanáticos por futebol.
O esporte não deve existir sem a divulgação pelos jornalistas. A imprensa tem o papel fundamental de difundir suas características e que o fazem um fenômeno social e político possuidor da capacidade de influenciar a cultura de uma sociedade. (CARDOSO, 2016, p. 7)
A Copa Libertadores Feminina de 2021 aconteceu no Paraguai e teve a partida final disputada no Uruguai. Teve início no dia 3 de novembro e final no dia 21 daquele mês. A competição acontece em moldes diferentes da masculina. Enquanto a dos homens possui fase pré-grupos, grupos e oitavas de final em diante, se estendendo durante boa parte do ano, a feminina acontece em um tiro curto de duas semanas no modelo Copa do Mundo: jogos de grupo e disputa das quartas de final em diante. O Brasil era representado por três equipes: Avaí Kindermann, Ferroviária e Corinthians.
Pré Campeonato
Os três veículos escolhidos publicaram uma matéria pré campeonato sobre o sorteio de grupos da competição. Agência Brasil e GE com uma semana de antecedência do inicio da competição, enquanto o Super Esportes fez isso no dia do primeiro jogo. O não agendamento do último veículo não é uma prática comum e pode impactar na redução do alcance público da competição. O assunto precisa entrar em pauta social com tempo hábil para que as pessoas se preparem para acompanhar e esperem pelo torneio.
Mesmo pecando no quesito da data a publicar a matéria pré-campeonato, o Super Esportes foi o que fez a publicação mais completa dos três sites analisados. Além de trazer a notícia de quais times fariam parte da competição, os grupos nos quais os clubes brasileiros estão inseridos, local e data da competição, o que foi igual nas três matérias, eles também trouxeram um retrospecto mais detalhado do torneio. Citou quem são os campeões de cada edição, lembrou que é o campeonato mais importante em nível continental, quem é o maior campeão, comentou da inédita presença da arbitragem de vídeo na competição, explicou o formato da competição e quem seria o detentor do direito da transmissão de imagens. Enquanto isso, o trabalho da Agência Brasil foi o mais enxuto, se prestando a dizer apenas os grupos, clubes, data e local da competição.
A derrota da Ferroviária
A Ferroviária era a atual campeã da competição e, assim como o Corinthians, poderia conquistar o tricampeonato. Porém, a equipe Araraquara – SP perdeu a semifinal e ficou com a disputa de terceiro lugar. Enquanto as matérias do GE e Super Esportes frisam na queda da equipe na disputa de pênaltis já no título, a Agência Brasil é a única mencionar a derrota e o fato de que a conquista do tri será adiada.
Desta vez, a matéria mais detalhada é a da Agência Brasil e a menos rebuscada a do Super Esportes. A Agência além de trazer as informações básicas do jogo, resultados, também trouxe detalhes de como foi a partida e dados que fizessem conexão com a edição passada da competição, como o caso da Ferroviária ter vivido a mesma situação de o Corinthians na Libertadores 2020. Ambos favoritos, buscando o tri, caíram nos pênaltis com a mesma goleira defendendo o gol adversário.
O Tri Campeonato do Corinthians
O Corinthians era o time mais favorito a erguer a taça devido seu retrospecto durante a temporada e a derrota amarga nos pênaltis na última edição. Já campeão brasileiro e invicto no campeonato continental, o time paulista conquistou o terceiro título da competição. Só a Agência Brasil não destacou este detalhe já no título, além de ser enxuto quanto aos detalhes do jogo. O que não foi o caso do Super Esportes e GE.
Tanto as matérias do GE e Super Esportes trazem detalhes da partida e da trajetória da equipe durante o torneio, principalmente a menção do caso de racismo que aconteceu com uma das atletas do time alvinegro no jogo da semifinal. O diferencial neste momento fica por conta das mídias utilizadas. O site do Super Esportes além de imagens também embedou em sua matéria vídeos produzidos pelo próprio clube durante a comemoração, ainda em campo, da conquista do título sul-americano. Enquanto o GE foi o único a citar o valor da premiação.
Considerações Finais
Com base no recorte feito e nas matérias analisadas podemos apontar três coisas na cobertura jornalística realizada na Libertadores Feminina 2021 por estes três veículos. Primeiro que todos eles lidaram somente com fatos brutos da competição. Segundo, nenhum trouxe uma fonte para acrescentar às matérias. Terceiro e muito importante para a evolução da modalidade, os três souberam respeitar a profissionalização das atletas.
Quando apontamos que os canais selecionados só lidaram com os fatos brutos a crítica se faz ao fato que em nenhum momento a cobertura se preocupou em trazer mais detalhes sobre o evento, os times e os jogos que não fossem resultados e o resumo simples da partida. Isso passa também pelo fato de não terem nenhuma entrevista e, o principal, que também incide sobre o próximo ponto a ser esclarecido, a cobertura da competição não foi feita no local do evento. Foi à distância. O que de certa forma empobrece o trabalho jornalístico, principalmente no caso do esportivo que perde a atmosfera do jogo.
O jornalista precisa ir a campo, ao local dos acontecimentos porque assim terá a chance de utilizar todos os seus sentidos para perceber, registrar e observar o esporte onde ele se desenvolve e suas nuances. Conhecerá de perto atletas, técnicos, dirigentes e torcedores que serão fontes e aumentarão a credibilidade das informações jornalísticas. Somente assim se poderá reduzir certas narrativas e críticas presentes no jornalismo que beiram a injustiça quando um atleta não vence sua competição atendendo as expectativas de torcida e da imprensa. (CARDOSO, 2016, p. 6)
O fato de não ter uma cobertura local está ligado àquilo que foi mencionado no início do texto. A competição é pouco conhecida em parte pela falta de cobertura e outra pelo estigma quanto ao futebol jogado por mulheres que culmina no baixo patrocínio da modalidade. Sendo assim, ela não é vista como um produto de muito valor pela mídia que não se esforça em mandar alguns repórteres para o local da competição, ou deslocar algum próximo. Assim, à distância, a falta de contato com a atmosfera do ambiente torna a cobertura apenas um resumo dos fatos, nada aprofundado ou detalhista.
A ausência de fontes nos textos também implica nessa cobertura menos aprofundada e distante do universo esportivo. O atleta é o principal componente do esporte e em nenhuma das matérias sobre o evento conta com a fala de algum atleta ou outro participante da competição, seja lá comissão técnica, organizadores. Uma das explicações poderia ser a falta de equipe de jornalistas no local, mas a possibilidade de um contato virtual também não foi considerada para a cobertura. O GE tem algumas matérias posteriores às analisadas com a presença das vozes das atletas, mas num momento em que elas já estavam de volta ao Brasil.
Por fim, o terceiro ponto, e no qual consideramos como positivo para a evolução da cobertura jornalística quanto aos esportes praticados por mulheres, o respeito à profissionalização das atletas. A linguagem e abordagem usadas nas matérias não cometeram os erros de “musificação” das jogadoras, o uso de imagens que dessem um tom obsceno e objetificasse a mulher, juízo de valor sobre os corpos das atletas, questionarem a feminilidade delas, reduzi-las ao papel de esposa e/ou mãe. Todo tratamento dado foi com foco em sua profissão e desempenho. Claro que a ausência de entrevista pode ter evitado que esses deslizes acontecessem. Mas levando em consideração o conteúdo apresentado a abordagem foi feita do modo correto
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