24 de mar. de 2022

Novak Djokovic, a não vacinação contra a Covid-19 e a cobertura da mídia

Uma análise da cobertura dos jornais Hoje e da Manhã sobre a deportação do tenista Novak Djokovic da Austrália pela falta de vacinação contra a Covid-19

Por Betina Scaramussa

Em 2020, segundo o Ministério da Saúde, foram registrados os primeiros casos da Covid-19. A doença, naquela época, ainda era desconhecida pela maioria das pessoas. Em fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso no Brasil: um homem que havia chegado da Itália apresentou os primeiros sintomas da doença. Desde então, o país convive com um cenário pandêmico em que já vitimou mais de 600 mil pessoas e já apresentou mais de 29 milhões de casos positivos, segundo os dados do Ministério.

A pandemia da Covid-19 trouxe novos cenários e debates para todo mundo. A doença desconhecida tornou- se objeto de estudo para cientistas, a fim de descobrir uma maneira de frear a contaminação e tentar voltar à rotina do que era antes. No Brasil, desde a declaração por parte da Organização Mundial da Saúde no dia 11 de março de 2020, o país passou além da terrível crise sanitária na saúde, diversos problemas políticos que afetaram o desenvolvimento da pandemia. Após meses de estudo pelas organizações sanitárias e empresas especializadas, as vacinas começaram a apresentar os testes que respondiam e atestam a confiabilidade dos imunizantes.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária confirmou em fevereiro de 2021 o primeiro registro para a aplicação da Pfizer/BioNTech nos adultos. Um ano depois, atualmente, segundo os dados do Ministério da Saúde, o Brasil tem mais de 80% da população vacinada com a primeira dose e mais de 70% dos brasileiros com a segunda dose ou a dose única. Os dados são do Consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

Em meio à crise sanitária, a televisão cumpre um importante papel no desenvolvimento e na transmissão de informação. Desde a chegada desse meio de comunicação no brasil, o aparelho conseguiu se desenvolver e alcançar as famílias dos brasileiros. Prova disso é o que mostra o último levantamento da Kantar IBOPE Media no Brasil, em 2020, que revela que mais de 200 milhões de brasileiros assistiram à TV aberta. A mesma pesquisa revelou que os telespectadores passaram 37 minutos mais ligados na televisão do que em 2019. Diariamente, foram sete horas e nove minutos ligados no aparelho. Dessa maneira, é possível afirmar a relação que os brasileiros possuem com esse meio de comunicação.

Uma das referências no Brasil na TV é o telejornalismo. Os jornais diários que integram a grade televisiva brasileira compõem o consumo audiovisual brasileiro. O levantamento da pesquisa Kantar também mostrou que 77% dos entrevistados revelaram que o noticiário foi muito importante no início da pandemia. Analisando os dados do resultado da pesquisa mostra-se que o consumo de jornalismo aumentou em 2020 quando comparado com 2019. Em 2019, o gênero representava 21% do total do consumo, esse número chegou a 30% em 2020. Assim, partindo desses dados, o telejornalismo é uma importante ferramenta para análise do papel jornalístico durante a pandemia da Covid-19.

Telejornalismo e o Esporte

O telejornalismo é uma forma de comunicação que o telespectador consegue entender o que se passa ao redor dele e no mundo. Cada vez mais com o acesso à informação, as pessoas conseguem estar por dentro daquilo que acontece, muitas vezes, em tempo real. A televisão consegue atingir diferentes públicos e possui um potencial audiovisual que explora os recursos de som, imagem e texto.

Sabe-se que hoje, de um jeito ou de outro, a quantidade de pessoas que tomam conhecimento dos fatos é significativamente maior que décadas atrás. Acredita-se que essa tomada de conhecimento, esse contato com a notícia foi profundamente facilitado com o advento dos novos meios de comunicação, como o rádio e a televisão. Com estes meios e também com uma gama maior de jornais impressos, o homem contemporâneo passou a conviver continuamente com a informação. (SQUIRRA, 2004, p. 48)

Dessa maneira, cada vez mais, o telejornalismo vem ganhando recursos e explorando os seus potenciais midiáticos. Um desses meios que o telejornalismo explora é sobre a cobertura esportiva. Historicamente, o Brasil é um país que tem o esporte como uma referência. Quando criança, na maioria das vezes, a atividade esportiva é inserida na escola, no lazer e até mesmo nos encontros com família e amigos. O país tem hoje referências no esporte nacional, principalmente após as Olimpíadas de Tóquio, em que muitos brasileiros se destacaram em esportes que não ocupavam tanto as discussões midiáticas, como o surfe e o skate, por exemplo. Sendo assim, ao ligar a televisão e assistir um telejornal, o telespectador quer saber o que acontece no mundo, incluindo também os assuntos que estão sendo discutidos no cenário esportivo. O esporte ganhou espaço dentro das coberturas jornalísticas, sendo considerado em meios de comunicação uma editoria esportiva.

O esporte é visto sob outra ótica, como um assunto repleto de potencialidades noticiosas que, em alto grau, justificam a existência de uma editoria específica para o gênero – editoria esta que perdura há quase um século desde sua consolidação na imprensa brasileira, no contexto de popularização e consequente profissionalização do futebol. (NEVES, 2020, p. 6).

Partindo dessa importância midiática, as ações dos atletas, bem como suas escolhas, importam, pois eles são considerados referências fora e dentro das quadras, das piscinas e dos campos. Sendo assim, os atletas são pessoas que por meio das atividades realizadas conseguem inspirar e gerar consciência crítica para aqueles que gostam e acompanham o trabalho daquele atleta. Além dos fãs, o telejornal também acompanha a carreira dos atletas, a fim de acompanhar ações, desempenhos e entender a importância que ele tem para o esporte nacional e internacional.

Estudo de caso

Partindo das discussões da pandemia, telejornalismo brasileiro e esporte, é fundamental se atentar de que maneira a cobertura telejornalística está sendo feita envolvendo a pandemia e os atletas. Assim, para a discussão presente aqui será analisado como a mídia abordou a deportação do tenista Novak Djokovic da Austrália pela falta de vacinação contra a Covid-19. Para a construção do debate serão analisados dois telejornais nacionais: o Jornal Hoje da Rede Globo e o Jornal da Manhã da Jovem Pan. A escolha dos telejornais se pautou no critério de dois jornais que abordam os principais acontecimentos no país. O período de análise foi entre os dias 06 a 15 de janeiro.

O tenista sérvio foi deportado da Austrália, onde disputaria um dos maiores torneios da modalidade, porque não tomou o imunizante contra a Covid-19. O tenista é considerado um dos principais nomes da modalidade, já ocupou a lista do primeiro lugar no ranking mundial da Associação dos Tenistas Profissionais (ATP). O sérvio está entre um dos maiores vencedores de Grand Slams, ao lado de Roger Feder e Rafael Nadal.

Após o avanço da vacinação, os eventos esportivos voltaram com restrições e cumprindo as orientações das organizações mundiais de saúde. Em janeiro deste ano, os principais nomes do tênis estavam se reunindo na Austrália para iniciar o Aberto da Austrália, com o primeiro Grand Slams da temporada. Pelas regras do torneio, os jogadores só podem entrar na disputa se tiverem sido vacinados contra o coronavírus. O tenista não cumpriu o requisito e tentou entrar no país com uma exceção médica, porém o governo da Austrália não aceitou e o visto foi cancelado, tendo início uma discussão diplomática envolvendo o número um do tênis mundial.

Partindo desse acontecimento, o projeto busca analisar como se deu a cobertura desse fato. O período analisado dos dois telejornais será dos dias 06 de janeiro até o dia 15 de janeiro. As categorias que serão analisadas serão:

- Abordagens realizadas pelos veículos

- Linguagem utilizada, quais palavras caracterizaram o fato

- Comentários feitos pelos apresentadores ou repórteres

- Quantidade de materiais feitos

- Imagens utilizadas

- Convidados comentando o assunto

- Outros atletas comentaram o assunto

Análise

1. Abordagem

Foram analisadas nove edições dos jornais Jornal Hoje e Jornal da Manhã. Os critérios que foram analisados neste item correspondem à maneira de como os telejornais abordaram o fato envolvendo o atleta e de que maneira foi realizada a cobertura jornalística.

Dos materiais analisados, é possível identificar que o Jornal Hoje trouxe o fato contextualizando a situação e abordando a importância da vacinação e do que diziam as autoridades australianas sobre a vacinação da Covid-19 no país. O jornal da Rede Globo buscou além de falar as novidades do caso, também ressaltar o que diziam as recomendações sanitárias do país.

Em relação a cobertura do Jornal da Manhã, é possível ver uma diferença na maneira como as informações foram passadas. Isso porque em nenhum material analisado foi possível perceber que a causa do atleta ter o visto cancelado e ter questões envolvendo a deportação foi a não vacinação. O foco dado pelo telejornal está na liberdade de não querer tomar o imunizante, contrariando o que dizem as organizações médicas mundiais. Foi recorrente a aparição de materiais envolvendo manifestações ao redor do mundo sobre a obrigatoriedade da vacinação contra a doença. Isso serviu de apoio para as discussões envolvendo o tenista.

2. Linguagem utilizada

Durante a análise das edições, foi possível perceber palavras que caracterizavam a ação do tenista e o fato que estava ocorrendo. Assim, neste critério, foi possível perceber substantivos e adjetivos que mostram o entendido que cada jornal estava adotando ao transmitir o fato. Durante as exibições, essas palavras foram repetidas, sendo que o objetivo “número 1” ocupou as falas das duas emissoras na hora de apresentar o fato durante todas as exibições. Com base nas diferenças adotadas, foi possível estabelecer palavras que eram encontradas em um telejornal e não eram encontradas com frequência em outras. As palavras que determinaram as ações e podem ser adotadas para essa análise foram:

Palavras utilizadas

Jornal Hoje

Anti-Vacina, Tenista, Isolado, Prisioneiro

Jornal da Manhã

Não vacinado, Homem de coragem, Deportado, Atleta

Essas palavras fizeram parte do conteúdo apresentado naquele dia. Ocupando tanto as falas quanto as tarjas que apareciam no momento da discussão.

3. Comentários por apresentadores

Além do que era exibido com uma entrada do repórter ou ao fim da exibição da imagem de uma nota, os apresentadores também teceram comentários sobre o fato. Assim como o item anterior, as frases utilizadas por César Tralli e Adriana Reid mostraram como cada jornal estava compreendendo o fato. A partir dessas frases, foi possível construir uma comparação no tratamento dado.

Jornal Hoje - César Tralli

“Essa novela ainda não acabou” - Comentário realizado no dia 10 de janeiro

“Desde de que ele não quis se vacinar, tem enfrentado diversos desafios” - Comentário realizado no dia 14 de janeiro Jornal da Manhã - Adriana Reid

“Isso não acaba, incrível” Comentário realizado no dia 14 de janeiro

“O tenista tem todo o direito de se não vacinar, mas tem tido a liberdade cerceada por isso” - Comentário realizado no dia 14 de janeiro

Tendo como base essas falas, é fundamental analisar que no Jornal Hoje a questão foi levantada também pelo apresentador como uma novela em que aconteciam vários fatos e não chegava a nenhuma solução. Já para os comentários da apresentadora do Jornal da Manhã, faz-se necessário levantar a discussão sobre a liberdade do atleta de cumprir as regras. Visto que a vacina da Covid-19 já foi aprovada por unanimidade pelas autoridades de saúde e sanitárias.

4. Quantidade de materiais produzidos

Neste critério foi analisado quantos materiais os jornais produziram durante a cobertura. Foi analisado quantas notas, reportagens, links com repórteres e comentaristas foram produzidos durante esse período.

Gráfico 1 - Quantidade de materiais entre os dias 06 a 15 de janeiro

5. Imagens utilizadas

Cada telejornal utilizou imagens diferentes para retratar o fato.

O Jornal Hoje, desde o primeiro material produzido, trouxe imagens do sérvio jogando, do hotel que ele estava preso, do aeroporto, imagens das pessoas fazendo testes de covid, dos hospitais, dos policiais e das autoridades australianas. Em nenhum momento foi mostrada alguma imagem do atleta levantando os troféus já conquistados ou ele em um momento de entrevistas ou de celebração.

Foto: Print da tela da exibição do dia 06/01/2022

O Jornal da Manhã exibiu apenas o atleta levantando os troféus que havia conquistado ao longo da carreira no tênis. A mesma imagem foi repetida todas as vezes que o assunto era levantado durante o programa. Além disso, sempre que era mostrado o assunto, logo depois havia imagens de protestos contra a obrigatoriedade da vacinação pelo mundo.

6. Convidados comentando o assunto

Durante a análise dos dois telejornais, foi possível ver que o Jornal Hoje não trouxe nenhum especialista ou outra autoridade para comentar o assunto. Apenas o apresentador, que chamava os materiais que comentava o que estava sendo transmitido. Isso foi diferente no Jornal da Manhã. Essa ausência de fontes mostra que os dois veículos não se pautaram em trazer alguém da área e que saberia comentar a importância da vacinação.

Durante dois dias, o telejornal da Jovem Pan trouxe duas mulheres para comentar e dar a opinião sobre o assunto. Cristina Gremel e Ana Paula Heinkel teceram comentários favoráveis ao atleta sérvio. A primeira disse que a situação acontecia por conta do pânico que foi criado e da segregação entre as pessoas por conta da vacinação. Além disso, Cristina também comentou que essa situação era um circo e um vexame mundial, em relação a deportação e ao visto cancelado, em nenhum momento a comentarista criticou as atitudes do atleta que contrariam as recomendações sanitárias. Ana Paula Heinkel também seguiu a linha de pensamentos de Cristina. Ela comentou sobre a coragem do sérvio e o lado político que envolvia essa história. Ademais, Ana Paula também levou a discussão para a questão vacinal, mesmo após a difusão e a comprovação da importância da vacinação.

7. Outros atletas comentando o fato

Em relação a esse critério, apenas o Jornal Hoje trouxe a opinião de outro tenista. Rafael Nadal, que ganhou o torneio após a não liberação do tenista sérvio, comentou sobre a importância e a eficácia das vacinas e sobre as regras que são determinadas pela organização do evento. No Jornal da Manhã, em nenhum momento foram citados a postura e os comentários contra o sérvio por parte de outros jogadores.

Considerações Finais

A presente crítica de mídia buscou analisar como se deu a cobertura da deportação do atleta Novak Novak Djokovic da Austrália pela falta de vacinação contra a Covid-19.

Após toda a discussão e dados apresentados, foi possível perceber que mesmo apresentado mais materiais, o telejornal Jornal da Manhã, da Jovem Pan, buscou tratar a questão apoiando o atleta e questionando as autoridades pelas atitudes tomadas contra o sérvio. A emissora, que tem o histórico de apoiar a não vacinação e não obrigatoriedade dela, levantou a discussão pelo fato da liberdade da pessoa em não querer tomar o imunizante, mesmo sabendo da importância e dos dados referentes à pandemia após o início da aplicação do imunizante. Esse tratamento foi totalmente diferente no Jornal Hoje que buscou trazer o fato olhando para a importância da vacinação e de como isso estava sendo um péssimo exemplo para aquele que ocupou o número um no ranking mundial de tênis.

Então, é possível concluir as diferentes abordagens adotadas por cada telejornal. O Jornal da Manhã procurou tratar o atleta como vítima da situação referindo ao sérvio com um ‘homem de coragem’ por ter burlado e não se vacinado, contrariando as recomendações australianas e do governo. Já o Jornal Hoje procurou reforçar o fato dele não ter sido vacinado e o que isso estava tendo de reações.

Por fim, é necessário salientar que as duas coberturas tiveram pontos divergentes. A maneira como a informação foi transmitida é um exemplo de diferentes linhas editoriais adotadas por cada emissora.