Espaços públicos auxiliam na preparação e acessibilidade de artistas em Uberlândia
Por: Ana Camfella e Carolina Lemos
“A leveza de um casulo representa a possibilidade de transformação e mudanças. Centenas de borboletas simulam voos de beleza, encantamento e liberdade”. Essas frases estão nas paredes do antigo fórum uberlandense e retratam o processo de metamorfose das borboletas. Foi baseado nelas que surgiu a ideia de transformar o local no Centro Municipal de Cultura, propondo um novo significado ao ambiente. O Cineteatro Nininha Rocha, que faz parte dessa estrutura, recebe semestralmente peças de artistas locais e encerrou em janeiro seu último edital, lançado em novembro, para as produções que ocorrem entre fevereiro e abril.
O Edital esteve aberto para selecionar propostas de produções artísticas - peças de teatro, dança e produtos audiovisuais - para utilização do Cineteatro Nininha Rocha no início de 2024. Os artistas observaram as datas, definiram as demandas técnicas necessárias para a apresentação, solicitaram inscrição e preencheram outras informações pessoais exigidas para validar sua participação. Para manter a proposta de movimento da arte, semestralmente, novos processos seletivos são abertos para tentar englobar o máximo de obras possíveis. O Edital deste semestre foi lançado no site da Prefeitura de Uberlândia e está aberto para inscrições entre os dias 26 de fevereiro e 11 de março.
O Nininha Rocha, cujo nome homenageia a artista conhecida como “a pianista dos pés descalços”, é um espaço que gera mais reconhecimento aos atores e maior contato do público uberlandense com espetáculos. O teatro surgiu em 2020 como uma resposta à demanda local e trouxe esperança para os artistas que buscavam ambientes menores e mais acessíveis, espaço diferente, por exemplo, do renomado Teatro Municipal da cidade. Com a pandemia em alta na mesma época, o espaço foi interditado e só voltou a funcionar normalmente em agosto de 2022.
Ao reabrir, o Cineteatro pôde receber os estudantes de teatro da UFU, como Marcos Montessoa e Anna Júlia EJ, que procuravam uma maneira de divulgar sua arte para além da Universidade. Os amigos idealizaram uma peça teatral e a apresentaram ao público graças ao edital do Nininha Rocha. A “Operação Humanization” foi uma criação dos dois, que tentaram roteirizar uma comédia crítica que pudesse atender a todos os grupos sociais. Ela retrata a relação cômica entre dois grandes empresários e seus funcionários.
O tamanho pequeno, estrutura aconchegante e a boa acústica do Nininha foram os aspectos que atraíram os jovens ao espaço localizado ao lado do Terminal Central, outro ponto considerado para a escolha de seu palco ideal, já que a rota do transporte público facilita a presença do público. A obra, antes realizada virtualmente devido a pandemia, ganhou vida através das cortinas do Nininha Rocha. Mesmo com a dificuldade de se manterem como artistas na cidade, a experiência de Marcos e Anna os ajudou no mercado artístico de Uberlândia.
Apesar de amar a profissão, Marcos lamenta a pouca valorização do artista local, especialmente por trabalharem em tantas funções ao mesmo tempo. Ele e Anna, além de criarem a ideia da peça, tiveram que produzir, organizar, dirigir e atuar, “Ganhamos muito pouco com isso, é triste para mim”, comenta o ator. O baixo incentivo que a cultura recebe na cidade também foi um ponto crucial para esse acúmulo de funções, segundo Anna.
De acordo com Samuel Giacomelli, Gestor Cultural na área de Teatro da Secretaria Municipal de Cultura de Uberlândia, o Cineteatro tornou-se um dos primeiros refúgios dos artistas locais. Samuel acredita na importância da discussão de como a criação de ambientes cada vez mais preparados e equipados para receber os artistas permite que a arte municipal transite e seja livre. “É ter um movimento cultural, mais forte, mais rico e mais dinâmico na cidade”, finaliza ele.
Para Anna, é importante o apoio das esferas públicas para realizar o que foi planejado. Mesmo com incentivos financeiros que, muitas vezes, não cobrem a produção do espetáculo, a atriz é grata por levar o teatro a públicos diversos, afinal, este não é formado por ideias complexas que excluem determinados grupos sociais. “A gente acaba devolvendo para a sociedade todo investimento que é feito para a universidade pública”, conclui a atriz.
Os estudantes de Teatro da UFU, Bruna Garcia, Guilherme Lourenço, Marcela Regina e Gabriela Rufina, afirmam a falta de apoio público e os obstáculos para se manterem enquanto atores de comédia em Uberlândia. Eles fazem parte do grupo Cia Panela, que cria, produz, organiza e apresenta espetáculos focados em alcançar a risada do público. Enquanto iniciantes, eles também enfrentam as dificuldades de saírem da zona Universitária e se apresentarem em outros palcos de Uberlândia, mesmo que em espaços públicos.
A falta de reconhecimento em relação à comédia, e a maior valorização de outros gêneros teatrais, aflige a companhia. “É difícil apoiar a cultura se o apoio é seletivo”, desabafa Marcela. O investimento financeiro por parte deles costuma ser muito grande, principalmente pela falta de apoio público e, na maioria das vezes, não têm o retorno de lucro esperado. Volta-se na metáfora da metamorfose: não é possível promover a liberdade sem a existência de espaços que estimulem a voar.
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