Por Felipe Melo
Posso dizer com segurança que as últimas eleições municipais despertaram um sentimento de revolta em muitas mentes e corações da minha cidade, Araguari. O que elas tiveram de novo? Bem, acho que nada. Talvez o novo estivesse em nós, uma consciência que se despertou na cabeça de muita gente e que não nos permitiu mais ver as coisas da forma simplista com que víamos antes.
O cenário político era clássico, permanece imutável desde que eu era criança. Eleição após eleição: Homem branco rico A vs. Homem branco rico B. De um lado, o dono da maior rede de mercados da cidade, do outro um militar que contava com o apoio financeiro da única universidade particular de Araguari.
Não importa por qual ângulo olhássemos, ambos candidatos representavam exatamente os mesmos ideais políticos. Isto é, o mesmo coronelismo de direita que domina o cenário político deste país, desde que este passou a se chamar Brasil. Por mais que se batessem e tentassem se mostrar diferentes, para um bom entendedor meio dinheiro de campanha basta.
Nas avenidas, debaixo de uma chuva fria, as chamadas “formiguinhas” carregavam cartazes, bandeiras e usavam guarda-chuvas com o nome do político A ou B. O povo era mandado às ruas, carregando esses números, rostos, e ideais que sequer conheciam em troca de um pouco de dinheiro. Era humilhante ver o povo nas ruas em péssimas condições, enquanto os dois políticos sequer se davam o trabalho de comparecer aos debates realizados pela rádio local. Em seus slogans podíamos ver uma preocupação com o bem-estar do povo, mas que se desfazia como poeira ao vento se olhássemos para o lado e víssemos o que de fato acontecia ali, nas ruas da cidade.
Outros candidatos existiam aos montes, claro, com pautas diversas e, pelo menos, com o mínimo de interesse em participar do debate político. Mas eles não eram levados a sério, não tinham seus rostos estampados em cada esquina. Tudo isso por um único e simples fator: não dispunham do mesmo dinheiro que os outros dois candidatos.
Ah, a velha politicagem em que o dinheiro é o braço direito… e o esquerdo… e as duas pernas.
Ideias progressistas também existiam, se soubesse onde procurá-las. Estavam, principalmente, na boca dos jovens. Nos grupos de whatsapp, nas escassas rodas de conversa, que foram realizadas devido à pandemia que já havia se instaurado. Realidade essa que não impedia os políticos A e B de encherem suas passeatas e carreatas de pessoas que, muitas vezes, recebiam para estar ali.
No fim, um deles venceu e, imediatamente, começou a ser investigado pelo Ministério Público por utilização indevida de recursos privados e influência política e financeira de uma instituição terceira em sua campanha. A investigação até o presente momento deu em pizza, no país em que as investigações sempre dão em pizza. Novamente, a política brasileira falha em nos surpreender.
A vida seguiu normalmente, e o poder executivo da cidade continuou nas mãos do mesmo grupo. O que aconteceu nas eleições, no entanto, se deu de forma tão escancarada e antidemocrática, que deixou um legado positivo. Eu vi nascer, dentro de mim e de várias outras pessoas, uma chama de interesses especialmente ardentes pela política local. Alimentada pela indignação, monotonia e pelo fato de que o debate político parece ter sido assassinado na pequena cidade de Araguari, e em seu lugar o que existe é tão somente o poder, a influência, e o dinheiro. Isto é, se um dia a semente do debate sequer chegou a germinar.
A imprensa local sempre se mostrou totalmente de acordo com o que acontecia. A campanha não despertou a atenção de jornalista algum. Eu via de camarote uma imprensa domada por rédeas, cabrestos, assistindo uma corrida eleitoral comprada, e se calando. Até mesmo quando a investigação do MP se instaurou, tudo o que vi foi o desserviço dos chamados “renomados” jornalistas locais defendendo as práticas políticas criminosas e acusando o Ministério Público de meter o nariz onde não era chamado.
Foi então que percebi o quanto a imprensa local contribui para a manutenção do status quo, dessa despolitização escancarada. Uma imprensa movida não por ideias, mas tão somente por interesses e relações pessoais. Nesse momento, vi que podia fazer mais, seja escrever textos, mesmo que jamais encontrariam espaço de publicação em qualquer veículo de Araguari. Não me importo em ser ácido ou subversivo, ainda mais se o que sou acusado de subverter é a corrupção que vejo sendo tratada com normalidade.
Fiquei imensamente feliz em descobrir que não era o único a pensar assim, longe disso, em um dos grupos de pautas progressistas no qual eu havia entrado durante a eleição alguém plantou a semente. A ideia de criar um coletivo de comunicação para tentar dar voz às ideias anti-sistêmicas que foram despertadas em nossas mentes durante esse período. Um grupo que falasse o que outros não tinham interesse ou colhões para falar. Mais ainda, que trouxesse o holofote para as ideias de esquerda que existem em nossa cidade, sem medo de se posicionar de maneira clara.
Assim nasceu o Coletivo de Comunicação de Araguari (CCA), composto por seis integrantes (jornalistas, historiadores, psicólogos, advogados, estudantes). Realizamos um trabalho voluntário em nosso tempo livre, com as ideias que surgem em nossas reuniões de pauta e da vivência no dia a dia da cidade. Estamos no começo e ainda há muita estrada para percorrer se quisermos fazer jus ao movimento que nos propomos a criar. Se começarmos a incomodar, é sinal de que estamos no caminho certo.
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