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Humanidade

Por Milena Félix

Ela era uma jovem inocente e pura. Linda, criativa, cheia de boas intenções. Ela, diferente de todo o resto, sabe amar, e sabe amar com tudo de si. Se derrama em arte, criação, empatia e beleza. Foi feita com toda a dignidade, a integridade, a igualdade e a justiça. Única, é isso que a define. A menina dos olhos do universo. A pedra mais preciosa de todas. Num ciclo perfeito, ela se mantém. Produz significado, enquanto significa. Ela é a própria chave desse significado, e ainda é capaz de tentar entendê-lo. Ela não é perfeita, porque tem a habilidade de fazer-se constantemente.


Mas ela tem um lado meio perverso, não se pode dizer o contrário. Um lado que se atrai pelo mal. A humanidade foi traída pelos seus próprios instintos e pela sua própria natureza tendenciosa. Namorou o mal, porque tem fetiche em tudo aquilo que não deve querer. Ela se deixou seduzir. Mas há quem diga que ela não é a culpada.


Toda a delicadeza foi traída pela maldade. Corrompida, seduzida, manipulada, extraída daquilo que era mais puro nela. Quando tentou amar, foi traída. Quando tentou ajudar, foi tachada de egoísta. Quando tentou dar dignidade, foi presa à máquina da soberba. Quando tentou servir, foi escravizada. Quando tentou fazer sexo, foi estuprada. Quando tentou formar família, foi desestruturada. Quando tentou preservar a natureza, foi queimada. Quando tentou lutar por direitos, foi massacrada pelo extremismo. Quando tentou acreditar em Deus, foi ferida pelo fanatismo.


Uma jovem inocente traída, seduzida, manipulada, abusada, ferida, escravizada, esfolada, mantida num cativeiro de suas próprias fraquezas. Uma síndrome de Estocolmo com o próprio mal. Violada, desnutrida, desumanizada, indigna, corrupta. Tudo, menos assassinada. A humanidade vive, ainda que causando desgosto ao resto da natureza. Permanece num ciclo de autossabotagem enquanto, por aí, por baixo das pontes, atrás de becos e em cima das sacadas, cria e ama e, sobretudo, sofre, que é o que faz de melhor.


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