Por Leandro Silva
O entretenimento e o lazer são frequentemente usados como válvula de escape para momentos de profundo estresse diário, mas também são constantemente vistos como superficiais. O que se assemelha ao RPG - sigla derivada de Role-Playing Game (jogo de interpretar papéis) - que também é usado, em muitos casos, como uma fuga da realidade, e em momentos oportunos, a fim de focar em situações que não incluem a vida pessoal.
Thiago Elias, - mais conhecido como Calango - streamer e influenciador digital, possui um canal no Youtube que conta com mais de 2 milhões de inscritos. É também jogador de RPG desde o ensino médio, e há tempos se coloca na posição de mestre de campanhas - aquele que coordena a sessão de RPG, ao invés de exclusivamente jogar, como os demais participantes. Ele nos conta a respeito da sua relação pessoal com o jogo, e a importância do mesmo para seu trabalho público, além dos principais aspectos referentes a ser um mestre de campanhas.
Calango é um dos influenciadores participantes do projeto “Ordem Paranormal”, um universo de investigação paranormal criado por Rafael Lange (Cellbit), que teve seu início através de campanhas de RPG de mesa em transmissões ao vivo na Twitch - plataforma de transmissão ao vivo.
É conhecido também, por criar o universo de RPG chamado de “Sacramento”, baseado em histórias de velho oeste, que teve origem no podcast Balela, comandado também pelo influenciador. Senso (in)comum pergunta: Como surgiu a vontade de conhecer o RPG, e como essa relação entre você e o jogo se aprofundou? Calango: O RPG sempre me chamou atenção, mas eu ficava nessa de "quero jogar" e nunca jogava de fato. Fiquei assim até o ensino médio, quando conheci uns "nerds" que quiseram finalmente jogar comigo, onde também acabei “mestrando” minha primeira campanha de "Dungeons & Dragons”. A gente só focava na diversão, porque ninguém sabia o que estava fazendo direito. Depois disso, eu tive vontade de entrar no teatro. Assim fiz e fiquei alguns meses, mas logo depois eu acabei parando para conseguir fazer minhas coisas na internet. Depois de muito tempo, recebi o convite para participar do Ordem Paranormal. Foi espetacular, uma experiência muito louca e desde então o RPG está presente na minha vida. Senso (in)comum pergunta: Para você, qual a principal diferença entre jogar e mestrar RPG? Calango: Na hora de "mestrar", você tem que administrar muitas coisas ao mesmo tempo, em quesito de ambientação e de situar os jogadores. Se você exercer funções mal feitas, o que vai ser desse universo? Enquanto você está jogando, você se coloca como uma pessoa só, e em como a mesma vai agir diante dos problemas. O grande ponto de "mestrar", é você conciliar em ser o problema e a pessoa na qual guiará a aventura dos jogadores principais. Nesse sentido, "mestrar" é bem mais desafiador e trabalhoso em relação a jogar. Senso (in)comum pergunta: Qual a sua relação com seu público enquanto mestre de RPG? Calango: A relação do RPG com o público é sempre bem positiva. Depois que o Ordem chegou, ele mudou a visão do RPG de mesa no Brasil. Quando eu surgi com a proposta de "mestrar" uma campanha de velho oeste - que é o “Sacramento” - o pessoal abraçou de cara, visto que o Ordem modificou as coisas. Velho oeste não é um tema muito popular hoje em dia (já foi bem mais antigamente), mas é um tema que eu sempre gostei muito, e assim decidi fazer, e acabou que as pessoas se interessaram bastante. De certa forma, sempre atrai um certo tipo de público, mas pessoas que gostam de RPG mas que não necessariamente me conhecem ou conhecem o Ordem acabaram vindo também. Então é meio que um nicho que consegue furar a própria bolha e alcançar pessoas "pingadas" por vários lugares. Senso (in)comum pergunta: De que forma mestrar no RPG te ajudou a desenvolver características sociais, como desenvoltura e naturalidade para se comunicar? Calango: Essa é uma ótima pergunta. Eu acho que "mestrar" me ajudou em vários aspectos, mas penso em três coisas principais: improvisação; o fato de eu ter o "jogo de cintura" de lidar com uma situação em que estou desprevenido, e conseguir de forma criativa "driblar" esse acontecido; e a minha própria fala, no sentido de vocabulário e dicção. Senso (in)comum pergunta: Falando sobre o caminho inverso, como outras áreas ou aspectos da sua vida afetam a sua relação com o jogo? Calango: As outras áreas da minha vida podem afetar o RPG positiva e negativamente, acho que eu tenho exemplos para as duas coisas. Um aspecto negativo que eu trago da minha vida para o RPG, é o fato de eu não conseguir pensar 100% quando estou sob pressão, e isso acontecia muitas vezes no início do Sacramento, quando eu queria entregar um produto legal e estava nervoso. Fiquei muitos dias de gravação saindo meio cabisbaixo, porque acreditava que não tinha feito algo tão legal assim. Eu trouxe isso para a mesa, o fato de eu me cobrar demais e sempre querer fazer algo espetacular de primeira (e não é assim que funciona, eu tenho que respeitar meu tempo). Em relação ao lado positivo, eu consigo trazer humanidade para os personagens que eu interpreto na mesa; não sei explicar muito bem, mas acho que tenho facilidade de me colocar na cabeça de outra pessoa no RPG - uma coisa que não faço tão bem fora do jogo. A partir do momento que eu me sento na cadeira e sei que estou jogando, minha cabeça muda e eu foco totalmente no universo que eu preciso estar. Senso (in)comum pergunta: O fato de o RPG ter se tornado parte do seu trabalho, afeta a sua relação jogo-prazer? Calango: Não, em relação ao RPG eu não sinto isso. Apesar de ser trabalho, eu faço muito porque gosto, tanto que o próprio Sacramento não deu retorno nenhum, muito pelo contrário, tive muitos gastos. Durante a minha carreira de streamer, por exemplo, já me peguei várias vezes me perguntando se eu realmente queria ficar jogando videogame, e no fim eu sempre chegava na conclusão que sim, eu gostava daquilo. Então, nesse quesito, nunca tive problemas. Senso (in)comum pergunta: Qual o impacto da cultura do RPG na sua vida profissional? Calango: O maior impacto que o jogo tem em mim é a minha vontade de criar histórias. "Mestrar" RPG me trouxe uma grande vontade de criar um universo e de mostrar para outras pessoas. O jogo despertou em mim o desejo por desenvolver um universo com o qual o público possa se interessar.
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