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O “Estadão” e as manifestações que (não) viram manchete

Por Mateus Prata

Grupo Narra


No último sábado do mês de maio, milhares de manifestantes foram as ruas em protesto contra o governo Bolsonaro. O portal G1 registrou pessoas de mais de 180 cidades do país e do exterior nas ruas, o que fez dessas manifestações um dos maiores atos políticos dos últimos anos por aqui. A pauta do protesto criticava as recusas de vacina e ações desastrosas que, como apontou um levantamento do Lowy Institute da Austrália, posiciona o Brasil como o pior país no enfrentamento à Covid-19. Diante da importância da situação, um fato chamou bastante atenção quando o brasileiro acordou no dia seguinte e se deparou com algumas das primeiras páginas de jornais do domingo. Enquanto a Folha de São Paulo e o The Guardian da Inglaterra tratavam com destaque das manifestações, o Estado de São Paulo (Estadão) e O Globo trouxeram a notícia de maneira bastante discreta, sucinta, sem proeminência na página nem fotografia.


Capa do jornal "O Estado de S. Paulo" do dia 14 de março de 2016 pós manifestação contra a presidenta da época, Dilma Rousseff. Foto: Reprodução/Estadão

Tomando o caso do Estadão como exemplo e voltando um pouco no tempo, quando pensamos nas manifestações de 2016 contra o governo Dilma, o jornal destacava em sua capa no dia 14 de março de 2016 a manchete “13/03/2016” sobre uma foto dos protestos em São Paulo que cobria toda a página – ou seja, dedicando a capa inteira ao acontecimento. O próprio jornal divulgou aquela edição como uma capa histórica do Estadão. Já na movimentação do último dia 29, o grande destaque do jornal foi para as “Cidades turísticas que se reinventaram para atrair o home office”. Ainda que os dois eventos não sejam idênticos e não peçam, necessariamente, o mesmíssimo tratamento, é importante considerar as condições para que haja uma distinção tão grande nessas capas.


Devemos entender melhor o papel da primeira página de um jornal. Este é um local reservado para as principais matérias do dia, ou aquelas vistas como mais importantes para @s editor@s ou outros responsáveis pelo meio de comunicação. Não por acaso, essas páginas são frequentemente tomadas como importantes documentos para análise histórica. Dentre as reportagens, a mais importante de todas ganha um espaço ainda mais nobre: o meio da página, acompanhada de um grande título e uma ilustração ou foto ao lado. Além disso, é principalmente pela primeira página que o leitor decide o seu interesse em ler as notícias daquele dia.


E o que explica um jornal tão popular como o Estadão dar mais atenção ao home office à uma movimentação política que reuniu milhares de pessoas em todo o país? Precisamos partir da premissa de que nada é imparcial, e não cair na ideia ingênua de que o jornalismo faz suas escolhas livres de critérios políticos, econômicos e culturais. Sendo assim, diversos fatores podem contribuir para que a capa seja construída de uma maneira ou outra.


Capa do jornal "O Estado de S.Paulo" do dia 30 de maio de 2021 pós manifestações contra o atual presidente, Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução/Estadão

Devemos perceber que estes grandes jornais são empresas privadas de um país capitalista, que visam o lucro e que possuem uma postura hegemonicamente neoliberal. Além disso, é importante observar o papel, na última década, destes mesmos jornais que hoje são atacados pelo presidente. Esta foi uma imprensa que estimulou a pauta anticorrupção, a crítica à centralidade do Estado e uma visão deturpada dos movimentos sociais populares. Estes, como se sabe, são aspectos claros da ascensão do bolsonarismo no Brasil.


Por tudo isso, um ponto deve sempre ser destacado. A primeira página de um jornal não é o espelho da nossa realidade. Ela é uma visão das escolhas que o jornal e seus “poderosos” proprietários fazem diante dos acontecimentos do mundo.

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Esse texto foi feito em conexão com o projeto de extensão do Narra no Instagram. Para conhecer os conteúdos do projeto, acesse o perfil. E para saber mais sobre o grupo, acesse o site.

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