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“Ser alegre é a maior originalidade”

Atleta profissional e PcD, Matheus Rocha da Costa apresenta sua trajetória, expectativas e maiores dificuldades no dia a dia


Por Angélica Neiva



Matheus considera que o esporte é uma ferramenta de socialização de extrema importância, não só para surdos, mas para a população em geral. É daí que vem seu desejo de se tornar professor. Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com uma pesquisa feita pelo IBGE em 2021, 10,7 milhões de pessoas têm algum grau de perda auditiva e 2,3 milhões têm deficiência auditiva profunda ou em graus críticos. Em 2020, foi criada a Secretaria Nacional de Paradesporto (SNPAR), com o intuito de proporcionar maiores incentivos e ações paradesportivas. Apesar disso, o recorte social para pessoas com deficiência nos esportes é bastante limitado. Mesmo com uma insistente procura, nenhum dado específico foi, de fato, encontrado, sobre a quantidade de estudantes PcD que praticam esportes nas atléticas das universidades.

O caso já é diferente quando se trata do Matheus Rocha da Costa, surdo-atleta oralizado de 32 anos, considerado o primeiro aluno surdo de Letras na UFU. Ele é esportista desde os 10 anos de idade, quando começou a participar de campeonatos e desenvolver mais sua paixão pelo esporte. Hoje ele pratica badminton, futsal e handebol - e possui títulos em todos eles. A grande diferença de realidade fez com que sua história de vida fosse um pouco mais difícil do que a de outras pessoas, principalmente na escola.

Foi em meio às dificuldades que a paixão pelo esporte falou mais alto e abriu diversas portas para o futuro. Com o desejo de ensinar, depois de ter sido uma criança encantada pela didática dos professores, o sentimento de pertencimento começou a crescer ainda mais - agora, a meta é formar e seguir o caminho daqueles que o tanto acolheram.


Senso (In)Comum: Senso (In)Comum:Como foi o processo para se descobrir no esporte? Quando você era criança chegou a pensar que gostaria de ser um atleta profissional?


Sim! Eu já queria, já tinha esse sonho. Comecei bem pequeno. Eu via professores que ficavam fazendo mímicas, tentando conversar, e aí alguns tinham empatia com a minha dificuldade de comunicação. Em vários momentos eu conseguia interagir com as pessoas, então percebi que sou capaz sim. No futuro, quero me formar e tenho vontade de ensinar crianças e trabalhar junto dessa área infantil no esporte, além de também conversar sobre a socialização do surdo. Tenho essa vontade, mas não formei na área de educação física, nem nada. Dentro do esporte é preciso adaptar algumas coisas, porque são esportes adaptados já para ouvintes. Por isso, e mesmo assim, quero ter essa interação.

Senso (In)Comum: Você começou a pensar em educar crianças no esporte ou se descobriu na faculdade? No momento você está fazendo Letras, não é?


Sim, esse é o meu curso. Nunca tinha pensado nisso, não. Eu comecei a ter foco no atletismo enquanto fui crescendo. Então, eu entrei numa vaga numa escola como instrutor de LIBRAS. Depois, comecei a trabalhar com crianças e um professor me chamou para ensinar vídeos também. Eu via que muitas crianças adoravam as brincadeiras e esportes, principalmente pelas reações. Depois percebi que até os ouvintes gostavam muito das atividades e do esporte, isso é muito legal. Sentimento foi crescendo. Então foi uma provocação da escola. Eu adorei.


Senso (In)Comum: Até chegar na Seleção Brasileira, como foi o caminho? Em algum momento você se sentiu desanimado?


Na Seleção dos ouvintes, o jogo era montado para ouvintes, então a interação era um pouco diferente, além dos comentários preconceituosos como “nunca vi um surdo jogar assim”. Já na Seleção Brasileira de futsal para surdos, a intimidade fez com que os jogos e treinos fluíssem melhor. Eu sempre fui uma pessoa muito alegre, mas às vezes acontecia alguns problemas da vida mesmo. Tive depressão, infelizmente. Não conseguia controlar essas provocações, tentava não me impulsionar, dar aulas, me manter feliz, mas dentro de mim não era fácil. Foi um processo difícil. Até hoje é um pouco. Mas, no momento eu tenho olhado para dentro de mim, e percebo que estou tentando mudar e ficar mais contente com esse desenvolvimento. Até hoje estou nesse processo. São coisas normais que acontecem com todo mundo.


Senso (In)Comum: Quais foram as principais diferenças entre as equipes de pessoas ouvintes e as específicas para PcD?


Sentia que interagia bem nos times de ouvintes, mas as pessoas percebiam, por exemplo, que era o surdo e comentavam, conversavam entre si. Eu entendi que precisava de intimidade. Depois fui me preparar mais, continuei treinando, tinha um certo diálogo com as pessoas então elas entendiam o meu jeito. Começaram a se acostumar e até gostei de trabalhar com eles. E com os surdos eu já sabia, eles são como eu. Então a interação e os encontros eram mais movimentados. Às vezes, tem coisas que são diferentes nos dois, é normal, mas eu percebo na pele que os ouvintes possuem mais investimento, com os surdos é mais difícil conseguir dinheiro. É um processo diferente e mais difícil.


Senso (In)Comum: Como são os treinos para conseguir conciliar o estudo e trabalho? Afinal, é um objetivo a ser atingido, não é?


O segredo é sempre se preparar antes, mesmo com alguns problemas de horários. Também é preciso abdicar de certas coisas como o CIA (Copa Inter Atléticas), para poder comparecer aos treinos. Por agora pretendo formar e participar da Seleção Brasileira de futsal, além de buscar trabalhar com o ensino de crianças nas escolas. Quanto aos estudos, a vontade de buscar um diploma, mais próximo do futuro desejado como professor, faz com que a conciliação de horários e treinos seja algo mais fácil, pois são paixões diferentes que se unem no final das contas. Com organização tudo vai se “consertando”.


Senso (In)Comum: Como você acha que poderia mudar a vida de crianças com o esporte? Um diferencial seu que pudesse marcar a trajetória delas, como você incentiva?


Com as interações, treinamentos, brincadeiras e atividades, tudo melhora. A autoestima melhora, até mesmo com os alunos ouvintes. É muito gratificante ver as mães que mandam mensagens e agradecem pelo carinho com os filhos. Ser alegre é a maior originalidade. Acho que toda criança sempre vai lembrar de um professor que marcou a vida e a trajetória escolar, e eu percebo que eu consigo fazer isso, sou capaz de ajudar as pessoas, de mudar a sociedade, às vezes o ouvinte precisa olhar mais para esse mundo. Eu quero incentivar as pessoas a participarem mais do esporte.


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